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Novo Benfica

Novo Benfica

26
Jan09

O ESTADO E O FUTEBOL

Pedro Fonseca

Os já poucos vestígios de credibilidade do futebol português ficaram estilhaçados nos últimos dias. Depois da indignação concertada e hipócrita a propósito da arbitragem do Benfica – Braga, cujos erros se limitaram a um fora-de-jogo milimétrico no golo de David Luiz e a um eventual penálti de Luisão, eis que o que pretendiam com aquela feira de dislates foi conseguido em todo o seu esplendor.

 

São muitos anos de conivências, cumplicidades, cunhas, subornos, lealdades antigas, para que tudo rua como um castelo de cartas, por mais apitos dourados e finais que venham a lume. O país é o que é, e ponto final.
O mais dramático é perceber que as tentativas de credibilização da indústria do futebol sofreram um forte abalo na semana que passou, e dos escombros ainda não se sabe o que vai nascer. Convém, por isso, fazer uma retrospectiva rápida dos acontecimentos, após o que propomos algumas medidas para retirar o futebol desta chafurdice.
No final do Benfica – Braga, o treinador bracarense, Jorge Jesus, e o presidente do clube, António Salvador, (para além de alguns jogadores arsenalistas), atacaram a arbitragem de Paulo Batista em termos de uma violência que julgava já caída em desuso.
Mais a Norte, no estádio do Dragão, Jesualdo não escondia a azia pelo empate frente ao Trofense. E qual foi a desculpa que arranjou para desviar as atenções? “Passaram-se coisas estranhas num campo onde jogou outro candidato ao título”, disse. Bonito.
No dia seguinte, saltou para a ribalta esse “dinossauro” do poder local, Mesquita Machado, presidente da Câmara de Braga e, pasme-se, da Mesa da AG da Federação. Pediu a intervenção da Procuradoria e lançou diversas suspeições sem concretizar. O futebol português no seu melhor.
O “sistema” movimentava-se. A jornada que aí vinha podia ser decisiva e não convinha deixar nada ao acaso. Vítor Pereira, presidente da Comissão de Arbitragem ajudou à missa com declarações anedóticas e infelizes. O caldo estava preparado.
Incapaz de aguentar a pressão, Vítor Pereira fez o que tinha sido meticulosamente preparado. O “sistema” não dorme. Para o Restelo, avançou Elmano Santos, 21º classificado na época passada. O árbitro madeirense não deixou os seus créditos por mãos alheias – 3 grandes penalidades por marcar contra o Belenenses (2 sobre Suazo, 1 sobre Yebda) e uma expulsão perdoada a jogador azul por entrada de pitões na perna de Di Maria.
Para Braga, Paulo Costa velho conhecido dos “papas”, cuja arbitragem vai figurar no top das mais vergonhosas que já ocorreram em Portugal. Mas, para o Sporting de Braga, tudo pareceu normal.
Face a 3 penáltis contra o FC Porto por assinalar, 1º golo portista em fora-de-jogo, e agressão de Hulk a jogador bracarense sem punição disciplinar, Jorge Jesus, talvez com medo de não dar o salto ambicionado, aos costumes disse nada. Onde estava o indignado treinador que na Luz disse que “nunca tinha visto nada igual em 20 anos”? E Mesquita Machado, cujas palavras timoratas revelam compromissos antigos? Faça-se justiça, porém, a António Salvador, presidente do SC Braga, que quase repetiu “ipsis verbis” o que tinha dito na Luz, embora contra o FC Porto a gravidade do prejuízo tenha sido muito maior.
O que fazer? O futebol português só pode ser salvo se o Governo (neste caso, o Estado) intervir, e rapidamente. A intervenção governamental deve centrar-se na nomeação dos presidentes da Federação, Liga e Comissão de Arbitragem destes dois organismos.
Admito que esta medida seja transitória e que a sua regulamentação possa remeter para sede parlamentar a escolha dos titulares destes órgãos, para o que bastaria maioria simples. Teríamos, assim, o presidente da Federação a ser escolhido pelo Governo e o presidente da Liga a ser escolhido em sede parlamentar. Os responsáveis da arbitragem seriam escolhidos pelo Governo.
Se o órgão executivo e o órgão legislativo intervêm na escolha de titulares de organismos públicos como a Presidência do Conselho Superior de Magistratura ou da Procuradoria-Geral da República, porque razão não o podiam fazer no mundo do futebol?
Acresce que tal resultaria numa dignificação do cargo e Governo e/ou Parlamento podiam a todo o momento proceder a substituições (como de um qualquer ministro) – de 4 em 4 anos, como é vulgar em democracia, essas escolhas seriam avaliadas.
Rompia-se assim esta tenebrosa rede de influências, de compadrios e de favores. O presidente da Federação deixava de estar preocupado em agradar às associações, de cujo voto depende a sua eleição, - elas próprias geridas com base em troca de lealdades e outros “arranjos” (lembram-se do célebre “chito” de Adriano Pinto, à época presidente da AF Porto?). E o presidente da Liga (ressalve-se a boa vontade e o esforço do actual, Hermínio Loureiro) deixava de depender dos equilíbrios de poder entre os clubes. Um futebol mais são, mais transparente e mais credível tem de passar por esta mutação interna. Tem a palavra o Governo.
19
Jan09

INOCÊNCIO CALABOTE

Pedro Fonseca

Uma mentira dita mil vezes não passa a ser verdade. Nos últimos dias, a tentação de ir ao baú da História para tentar explicar o presente, fez ressuscitar um nome: Inocêncio Calabote. Quem o fez não conhece a história, nem tem tempo para essas minudências do estudo e da investigação séria e rigorosa.

 

Tocou de ouvido e, como é natural, espalhou-se ao comprido. O presidente do SC Braga, é dele que falamos, arrisca-se a entrar no anedotário nacional ao desajeitadamente nem o nome do antigo árbitro ter conseguido proferir com exactidão. Quem lhe terá encomendado tal tarefa?

 

As gerações mais novas nunca ouviram falar de Inocêncio Calabote. Não será por isso António Salvador a fazer o papel de “historiador”, que, como o próprio denuncia sempre que abre a boca, não lhe encaixa no perfil.
A bem da seriedade de procedimentos e da honestidade intelectual, solicito a todos que embarquemos numa rápida mas elucidativa, esclarecedora e pedagógica viagem na máquina do tempo.
Recuemos a 1958/59. O campeonato estava ao rubro e o Benfica e o FC Porto chegavam à última jornada empatados em pontos. Os adversários eram a Cuf, no Estádio da Luz, e o Torreense, em Torres Vedras.
O FC Porto levava vantagem de 4 golos, na fórmula de desempate, entre golos marcados e golos sofridos. Era esta décalage que o Benfica tinha de ultrapassar para ser campeão. Sem imagens televisivas, foi através da rádio que se seguiram as peripécias em ambos os campos.
Na Luz, o Benfica entrou em campo 6 minutos depois das 15, hora de início do encontro, para tomar conhecimento prévio do resultado de Torres Vedras. Um estratagema muito recentemente utilizado noutros campos do país. Pelo facto, o clube foi multado.
Com 90 minutos cumpridos e 7-1 no marcador, Inocêncio Calabote prolongou o jogo por mais 4 minutos, devido a perdas de tempo de jogadores da Cuf, (os guarda-redes, por exemplo, nessa época podiam recrear-se com a bola na sua grande área o tempo que quisessem). Como termo de comparação, lembremo-nos que o árbitro Luís Reforço, no recente jogo FC Porto – Trofense, resolveu prolongar o jogo por 7 minutos. E quem não se lembra de um tal de Isidoro Rodrigues, que em 2001/2002, num Varzim – Benfica, prolongou o jogo 10 minutos para que os poveiros empatassem?
Voltemos a 1959. Com os jogos terminados, 7-1, na Luz, e 0-3, em Torres Vedras, o FC Porto acabou por se sagrar campeão com … 1 golo de vantagem. O curioso é que os testemunhos orais foram reescrevendo esta “estória”, tentando esconder alguns pormenores que fazem toda a diferença.
Calabote, que foi irradiado (sendo o primeiro árbitro a sofrer tal punição) já cá não está para se defender, mas é preciso que a História o reabilite e lhe faça justiça. Quanto mais não seja porque nunca viajou para o Brasil a custas de um clube de futebol, como Carlos Calheiros, nem fugiu a sete pés, em pleno relvado, de onze jogadores de um clube, o FC Porto, como José Pratas, nem atentou contra a verdade desportiva, como Martins dos Santos ou Jacinto Paixão.
O que tem sido escondido conta-se em poucas palavras. O Benfica marcou o seu sétimo e último golo aos 38 minutos da segunda parte, ou seja, 7 minutos antes do apito final (sem os descontos). Qual o árbitro que em 7 minutos não encontraria forma de beneficiar uma equipa com mais um golo? Inocêncio Calabote teria muito a aprender com alguns dos senhores que já citei.
Mas escondido tem sido, também, o que se passou no jogo de Torres Vedras. Ali, o FC Porto ganhava apenas por uma bola a dois minutos do fim, o que daria o título ao Benfica. Entretanto, marcou o segundo golo, o que também não chegava para ser campeão, mas a 20 segundos do final, Teixeira marcou o terceiro golo do FC Porto, que com isso arrecadou o título de campeão.
Mas houve mais, em Torres Vedras. O FC Porto fez 0-1 quando o Torreense jogava com menos um jogador, por lesão. A partir dos 20 minutos da segunda parte, o Torreense estava só com 10, por expulsão de Manuel Carlos, e viu ainda outro jogador expulso após o 0-2, por pontapear a bola para longe. O 0-3 é sofrido com apenas 9 jogadores em campo. Não foi de estranhar, por isso, que a arbitragem de Francisco Guiomar tenha sido muito contestada pelos locais. Mas disso, não rezou a história. Por enquanto…
13
Jan09

Falha do sistema?

Miguel Álvares Ribeiro

Afinal o sistema está bem vivo e, com uma inesperada unanimidade, clama a uma só voz contra uma falha inesperada. Então não é suposto que o Benfica seja sempre prejudicado? Como é possível que um árbitro se atreva a não prejudicar claramente o Benfica?

 

Quando os árbitros erram contra o Benfica isso nem é notícia, é o que se espera deles … já o contrário, por tão inesperado e raro, dá direito a manchetes em todos os noticiários, primeiras páginas em todos os jornais, declarações inflamadas dos mais diversos agentes desportivos, etc …

 

Quanto ao Presidente e adeptos do Braga eu consigo compreender a sua indignação, pois ainda um par de semanas antes o Nacional (um concorrente directo do Braga na conquista de um lugar na Europa) havia sido claramente beneficiado no Estádio da Luz, pelo que, de acordo com uma já larga tradição, o Braga não esperaria menos.

 

Há não muito tempo Luís Filipe Vieira foi castigado com dois meses de suspensão pela Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) por "ter prestado declarações consideradas de tom irónico, sarcástico e insinuador, que puseram em causa a imparcialidade, seriedade e rigor do CJ da FPF".

 

Este castigo foi praticamente duplicado por, "com prévia autorização do delegado da LPFP e do árbitro da partida, LFV se apresentar no balneário da equipa de arbitragem com o propósito único de apresentar um pedido formal de desculpas à equipa de arbitragem".

 

Esta foi uma das primeiras falhas graves do sistema, pois a suspensão aplicada a LFV apenas o ajudou a encontrar o registo certo em que se deve apresentar o Presidente do Benfica.

 

Estou certo de que nem o Presidente nem o  treinador do Braga, nem sequer o presidente da mesa da  Assembleia Geral da FPF, terão qualquer destes problemas com a justiça desportiva, pois não foram irónicos, sarcásticos ou insinuadores, nem pretenderam apresentar qualquer tipo de desculpas, apenas vieram a terreiro alertar para o facto de que o sistema parece começar a apresentar falhas.

 

12
Jan09

O CHORADINHO DOS HIPÓCRITAS

Pedro Fonseca

Preparem-se os benfiquistas para a “guerra” que aí vem. Este ano, bem podemos dizê-lo, seremos campeões contra tudo e contra todos. O que se passou ontem à noite, após os jogos Benfica – 1; Braga – 0 e FC Porto – 0; Trofense – 0, devia entrar para o compêndio das estratégias manhosas do futebol português.

 

O problema é que é tudo tão claro e tão límpido que dá para rir. Atiram-se agora os bracarenses, o treinador Jorge Jesus e o presidente António Salvador, ao árbitro do encontro. Porque será que julgo que estes respeitáveis senhores estão a falar por interposta pessoa e a defender causas alheias?
 
Será porque Jorge Jesus é tido como o próximo treinador do FC Porto? Será porque o Sporting de Braga se transformou em clube-satélite (apetecia-me dizer “clube idiota útil”, mas os arsenalistas são gente de bem e um dos maiores clubes portugueses para se verem assim tão subservientes), dos azuis-e-brancos?
 
Quem quiser que responda. Mas não deixa de ser engraçado que noutros locais e com outros protagonistas o silêncio dos que se consideram agora espoliados foi a nota dominante. Não vi nem ouvi Jesualdo Ferreira falar do golo anulado por Pedro Henriques ao Benfica, contra o Nacional: “Meus senhores, quero expressar a minha indignação pelo que se passou noutro estádio onde jogou um nosso adversário directo. Não me conformo com o facto de nos quererem levar ao colo”, podia ter dito Jesualdo.
Ontem, o treinador do Porto, numa apreciação a um outro jogo que, se não é inédita, anda lá perto, falou em critérios diferentes. O treinador do Porto tem uma memória e uma visão selectiva. E, pelos vistos, também critérios diferentes – aquilo que acusa a outros. Falou de penáltis e de autocarros, mas também podia ter falado das agressões (mais do mesmo) de Bruno Alves a Mércio e a Reguila, que obrigou este a jogar com a cabeça ligada. Para quem afirmou que nunca se pronunciava sobre árbitros, não está mal, não senhor…
Preparem-se pois, benfiquistas. Agora já não temos só que ouvir as aleivosias de quem joga contra nós – também mais a Norte os nossos jogos serão monitorizados. Querem saber o que acho? É o desespero deles a falar mais alto.
O que não podemos é ficar intimidados. E, portanto, a cartilha que deve imperar na Luz é simples: nenhum ataque deve ficar sem resposta. Quem cala consente; quem aceita pacificamente atoardas de quem não tem autoridade moral para as proferir, acaba por assumir culpas.
Como benfiquista não aceito lições de moral de quem tem um historial rico em benefícios de arbitragem que corresponderam a muitos campeonatos, muitas vitórias. Um historial de fraude desportiva que já foi provado e assumido pelos seus responsáveis.
Estamos em Primeiro. Podíamos estar bem mais distanciados. Quem se não lembra do penálti por marcar sobre Aimar, em Vila do Conde, contra o Rio Ave, em jogo que empatamos? E a mão dentro da área de um jogador do Leixões, no Estádio do Mar, em jogo que também empatamos? E o golo mal anulado (e expulsão perdoada a jogador do Setúbal) contra o Setúbal na Luz, que também empatamos? E o célebre golo contra o Nacional, que só Pedro Henriques achou que não foi, e que nos impediu de ganhar?
O alegre coro dos “inocentes” faz-me lembrar aquelas histórias de miúdos. Um deles, mais manhoso e mais sabichão nestas coisas das jogadas rasteiras, atira a pedra, parte o vidro, esconde a mão e diz, em alta voz: “Não fui eu, foi aquele menino”. O futebol português, coitado, está cheio de telhados de vidro, partidos e sempre pelos mesmos. Ai agora não gostam!!?? Como dizia um conhecido responsável político: Habituem-se!
05
Jan09

ENSAIO SOBRE O CARÁCTER

Pedro Fonseca

Eu, benfiquista primário, me confesso: estou envergonhado! O que vi, ontem à noite, na Trofa foi mais que uma derrota. É difícil explicar, mas Rui Costa e Quique resolveram-me o problema: falta de carácter.

Apesar dos dois responsáveis máximos pelo futebol terem dado a cara (bom sinal) no final da partida e terem assumido as responsabilidade (outro bom sinal), deduzi que a acusação de falta de carácter referida se destinava aos jogadores.
De entre os vários significados que o Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora (8ª edição) dá à palavra carácter, retiro os seguintes: génio, energia, firmeza, força de ânimo. Ora bem, Rui Costa e Quique têm razão – faltou carácter.
O que me pergunto, e coloco à reflexão dos leitores, é que Benfica vamos ter daqui para a frente? Esta não é uma questão meramente retórica. A bem do Benfica, clube e equipa de futebol, esta época tem de ser dividida num a.t. (antes da Trofa) e num d.t. (depois da Trofa).
Digamos que o jogo de ontem foi um “buraco negro”, como se diz na astrologia. Para retomarmos o trilho anterior de vitórias, que sempre foi o “sinal distintivo” (outro significado de carácter) do Benfica, é preciso duas coisas: mão dura e cabeça fria. É isso que peço a Rui Costa e a Quique Flores – mão dura e cabeça fria.
Sobra a questão do carácter. Isso é algo que se tem ou não se tem. Não se compra, não se aluga, não se injecta. Quem lida diariamente com os jogadores do Benfica saberá bem porque falou em falta de carácter ontem à noite.
Eu poderia colocar-me aqui a fazer perguntas de algibeira: porquê isto? porquê aquilo? (porque foi o Benfica o último dos “grandes” a regressar ao trabalho? – por exemplo). Mas prefiro continuar a falar de carácter – ou da sua falta.
Ora, se bem se recordam, carácter quer dizer, entre outras coisas, energia e força de ânimo. Mais de duas horas antes do jogo, resolvi percorrer as ruas da Trofa, próximas do estádio. Vi os passeios pejados de milhares de pessoas, com cachecóis, bandeiras, camisolas, à espera do autocarro que transportava os jogadores do Benfica. Gente de perto e de longe. Homens, mulheres e crianças. Gente, na sua esmagadora maioria, humilde. Gente com energia e força de ânimo. Gente de carácter. Gente à Benfica.
Os jogadores do Benfica viram bem as caras, as mãos, de toda essa gente que os recebeu em delírio, em euforia, em deslumbramento. Pessoas que fizeram centenas e centenas de quilómetros. Pessoas que pagaram um preço elevado de bilhete para ver o Benfica.
Será que os jogadores do Benfica não têm sentimentos? Será que lhes é completamente indiferente esse ambiente de loucura à sua volta?
Fazer feliz toda essa mole humana fantástica custa tão pouco. Custa apenas ter um pingo de vergonha e de personalidade. E ter sentimentos por quem de quase tudo se despoja para os ir ver jogar. “Sentir o Benfica” é outro dos significados da palavra carácter.
Post-Scriptum: Bastava que os jogadores do Benfica bebessem um pouco da energia e força de ânimo dos seus adeptos para tudo ser diferente. Quero homenagear todos os adeptos do Benfica que ontem estiveram na Trofa na pessoa de um amigo especial e ilustre benfiquista chamado António Souza-Cardoso, a quem não falta carácter, nem energia, nem força de ânimo. 
29
Dez08

2008

Pedro Fonseca

Este é o meu último post de 2008. Nestas alturas, a tradição obriga a que façamos um balanço do ano. Para mim, a tradição ainda é o que era. Por isso, elegi os momentos que marcaram, na minha opinião, 2008.

Mas primeiro, quero eleger o homem do ano – Nélson Évora, português e benfiquista, medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim. Quem senão um atleta benfiquista poderia dar a Portugal a maior alegria e o maior feito desportivo de 2008?
Vamos agora aos momentos mais marcantes. Sendo a ordem arbitrária, começo por um que teve o paradoxo de ser simultaneamente triste e feliz para os benfiquistas: a despedida de Rui Costa dos relvados.
O “maestro” disse adeus a uma carreira fantástica, não com os êxitos desportivos que desejaria, mas envergando a camisola que sempre amou e dignificou. Quando regressou ao Benfica vindo de Milão, pela mão de Luís Filipe Vieira, Rui Costa trazia dois objectivos na cabeça: ser campeão com a camisola do Benfica e acabar assim a carreira de jogador.
As lesões impediram que isso acontecesse, condicionando o desempenho desportivo de uma equipa que estava dependente da sua presença em campo. Acabou a última época já em sofrimento físico e psicológico. Disse adeus aos relvados em noite de emoções na Luz, numa das mais belas despedidas que o futebol já viu. Perdeu o Benfica um génio da bola, ganhou um excepcional director desportivo.
2008 foi um ano mau para o futebol profissional do Benfica. O 4º lugar na Liga foi resultado de dois factores conjugados: as lesões de Rui Costa, que o impediram de dar o seu contributo por vários jogos, e o abandono do treinador Camacho, com muitas jornadas ainda por disputar. No meio destas imprevisibilidades, era difícil fazer melhor.
Transformado em Apito Final, o processo de investigação à corrupção no futebol português, denominado Apito Dourado, viu o seu epílogo este ano, com a condenação de dois clubes importantes, o Boavista FC e o FC Porto, e respectivos dirigentes máximos.
Não me cabe aqui fazer a abordagem deste processo, nem dos seus soluços jurídicos. Apenas registo que no caso do Boavista, ele conduziu o popular clube do Bessa à descida de escalão e ao previsível desaparecimento; no caso do FC Porto, a situação, a meu ver, é mais grave porque irreversível.
O Apito Final, aparentemente, não produziu sequelas desportivas na colectividade das Antas. Aparentemente. Contudo, os prejuízos na imagem internacional do clube (internamente a imagem nunca foi muito famosa) foram gigantescos e, repito, irreversíveis.
Digo-o com conhecimento de causa. Em Genebra e em Basileia, onde assisti a jogos de Portugal no Euro 2008, quando me identificava junto de adeptos de outras selecções dizendo que era da “região do Porto”, tinha como resposta: “Ah, do clube que compra os árbitros!!!”. Talvez os portistas não tenham ainda essa nítida percepção, mas que essa nódoa é algo que manchará para sempre o clube, mais vitória menos vitória, isso é inequívoco.
Agosto foi mês de Jogos Olímpicos. Lá longe, em Pequim, o nome do Benfica foi gritado e dignificado. Nélson Évora (repito, o Homem do Ano), Vanessa Fernandes e Angel di Maria tornaram o Benfica no clube português mais medalhado em Jogos Olímpicos (não esquecer também a medalha de bronze de António Leitão, em Los Angeles/84).
Algumas semanas antes, o Euro 2008, na Suiça e na Áustria, fez parar Portugal. Uma semi-desilusão, com a eliminação nos quartos-final aos pés da finalista Alemanha. Os benfiquistas presentes no torneio, Nuno Gomes e Petit (Quim, infeliz, veio para casa devido a lesão) cotaram-se como dos melhores.
Outro dos pontos marcantes do ano foi a criação da Benfica TV. O arranque deste projecto, algo negligenciado por alguma imprensa (por motivos óbvios), está muito para lá do mero facto de colocar o Benfica na vanguarda dos clubes portugueses e ao lado dos maiores do mundo.
Contam-se pelos dedos das mãos os clubes de expressão mundial que deram o passo para montar um projecto audiovisual próprio. Mas a Benfica TV vai também ser um instrumento decisivo na “revolução” dos direitos televisivos em Portugal. Liderando as audiências, o Benfica exige as contrapartidas monetárias que a sua dimensão reivindica. Com a Benfica TV, Luís Filipe Vieira passa a deter a “arma” decisiva para a batalha que se avizinha.
2008 não terminou sem que o Benfica ascendesse ao lugar que deve ser sempre o seu: o 1º. Esta posição, que está já a incomodar muita gente (vidé arbitragem de Pedro Henriques no Benfica – Nacional), tem muitos responsáveis, mas deve-se sobretudo a uma estrutura de futebol profissional, blindada, eficaz e solidária (como se viu na resposta ao escândalo da anulação do golo de Cardozo no já referido Benfica – Nacional), pronta para dar resposta positiva a todos os desafios – e vão ser muitos e duros – que 2009 vai trazer. Estamos preparados! Um Bom Ano para todos!
 
PS: O Bruno Carvalho, cujos textos muito aprecio pela sua pertinência e arguta inteligência, deu, num dos seus últimos posts, uma notícia bombástica (os blogues também servem para dar notícias e não só para publicar opiniões), que, não fosse a nossa comunicação social andar distraída, seria manchete em qualquer jornal: José Veiga é benfiquista.
Ao revelar que o ex-presidente da Casa do FC Porto do Luxemburgo e antigo conselheiro predilecto de Pinto da Costa sempre foi, afinal, adepto (sócio?) do Benfica, destrói também um dos maiores mitos do clube azul-e-branco: só ter na sua estrutura portistas “bacteriologicamente” puros. Luís Filipe Vieira está perdoado.
22
Dez08

À noite, logo se vê

Pedro Fonseca

Depois da tempestade vem a bonança. As eliminações da Taça de Portugal e da Taça UEFA, que marcaram a semana, podem culminar hoje à noite, na Luz, contra o Nacional, com uma vitória que nos deixe mais isolados no primeiro lugar da Liga.

 

Mas a semana também ficou marcada pelas intervenções do Presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, do Director Desportivo, Rui Costa, e do treinador, Quique Flores. As palavras de ordem foram bem audíveis, interna e externamente: empenho, trabalho, ambição.
Não houve puxões de orelhas, nem processos disciplinares, nem jogadores castigados, mas sim um alerta geral, dirigido de cima para baixo, e que foi assimilado por todos. O investimento feito na equipa de futebol profissional obriga a uma total concentração de esforços na conquista da Liga – principal objectivo da época.
Luís Filipe Vieira apelou a uma “cultura da exigência”; Rui Costa tranquilizou todos e disse que em Janeiro não haveria nenhuma “revolução” e Quique Flores garantiu que o que se viu contra o Metalist “não voltaria a suceder”.
O que resulta destas declarações é que o Benfica está unido e imbuído do mesmo espírito: vencer a Liga. O clube está blindado contra todos os ataques destabilizadores que os nossos adversários queriam encetar.
É de notar que apesar de uma semana negativo em termos de resultados desportivos, não se assistiu a nenhuma turbulência interna, os arautos da desgraçada ficaram no seu canto, ignorados e desprezados, a estabilidade não foi abalada.
Os principais rostos do clube: Luís Filipe Vieira, Rui Costa e Quique Flores, deram a cara perante os sócios e os adeptos, quando era fácil e mais cómodo esconderem-se, como outros fazem noutros lados.
Assumiram as responsabilidades e exigiram que rapidamente foi ultrapassada esta fase menos boa. A resposta terão de dá-la os jogadores hoje à noite na Luz. Mas os sócios e os adeptos também têm de contribuir com o seu apoio e entusiasmo, de princípio a fim.
O clube está bem e recomenda-se. Reyes quer continuar; Suazo quer continuar; Aimar quer continuar. Os três ases de um baralho de luxo não esmoreceram o seu entusiasmo com os fracassos na Taça de Portugal e na Taça UEFA. Porque sabem que o projecto que o Benfica está a construir e a desenvolver visa devolver o clube às grandes vitórias internacionais.
Nada nem ninguém nos desviará deste caminho que trilhamos e que nos levará ao sucesso. As palavras que foram ouvidas da boca de Vieira, de Rui Costa, de Quique Flores são o espelho da realidade do Benfica: unidos, empenhados e atentos.
É isso que os benfiquistas precisam de estar, mais que nunca: unidos, empenhados e atentos. A grande nau vai enfrentar algumas vagas, mais agitadas e perigosas, mas o timoneiro tem o comando bem firme nas mãos e a tripulação sabe que a rota é a mais segura para chegar à Terra Prometida: o Título.
15
Dez08

A união faz a força

Pedro Fonseca

Luís Filipe Vieira deu uma grande entrevista à Benfica TV. Repisando algumas das ideias e projectos que tem vindo a anunciar, o Presidente do Benfica evitou pronunciar-se sobre uma possível recandidatura.

 

A pouco menos de um ano das eleições no Benfica, é normal que se comece a questionar quem serão os candidatos. Mas também é importante que os benfiquistas percebam que os “timings” dos órgãos de comunicação social não são os “timings” de Luís Filipe Vieira nem do Benfica. A maior parte das vezes são até “timings” muito diferentes e opostos.
Vieira faz bem em não ceder à pressão mediática. Não para alimentar qualquer tabu, mas porque, se calhar, há quem queira provocar manobras de diversão para desviar o Presidente do Benfica e os benfiquistas daquilo que é, para já, prioritário: consolidar a liderança, consolidar o projecto da Benfica TV, preparar o Benfica para os novos desafios, internos e externos.
Por outro lado, ninguém melhor do que Luís Filipe Vieira sabe qual é o momento ideal para se pronunciar sobre as próximas eleições. Dir-me-ão que nenhum benfiquista espera outra coisa que não seja a continuidade do actual líder. É bom, porém, que se saiba que se hoje é apetecível ser líder do Benfica isso deve-se ao trabalho hérculeo de recuperação financeira e da imagem do clube, e essa recuperação deve-se em grande parte a Luís Filipe Vieira.
Com o que foi conseguido e alcançado nestes últimos anos, é normal pensar-se que Luís Filipe Vieira tem uma passadeira vermelha estendida até ao cadeirão da Luz. Contudo, o sentido de responsabilidade do Presidente do Benfica não se distrai com as coisas fáceis e adquiridas.
Arrumada a casa ao nível do Departamento de Futebol profissional, com Rui Costa ao leme, Vieira tem sobre os ombros responsabilidades imensas. Não se trata agora de levantar do chão um clube depauperado, arrasado, descredibilizado por gestões danosas e irresponsáveis; trata-se de projectar o Benfica do futuro, alicerçado em projectos de vanguarda, primeiro entre os maiores clubes do Mundo.
A Benfica TV, que dá os primeiros passos, o projecto da Fundação Benfica, em prol dos mais carenciados, o Museu do Benfica, depositário de uma história gloriosa, as novas correlações de forças no âmbito das transmissões e direitos televisivos, obriga o Presidente do Benfica a um novo e redobrado esforço, dedicação e empenho.
Estes desafios não podem, por isso, ser abraçados por um homem só. Os benfiquistas têm de estar unidos e decididos a apoiar estes projectos e esta estratégia. Só com a nossa união, só com todos a remar para o mesmo lado, é que esta tarefa gigantesca será coroada de êxito.
Vieira sabe que pode contar com os benfiquistas, como contou no passado. Mas este apoio tem de ser dado com provas concretas, com acções determinadas e claras. Querem prova mais concreta e objectiva de que o Benfica está no bom caminho? Pois aqui vai: “No desempenho dos presidentes dos “grandes” no último mês, todos receberam apreciações positivas, mas a novidade é dada pelo facto de, a nível absoluto, Pinto da Costa ficar abaixo do seu homólogo do Benfica, Luís Filipe Vieira. É a primeira vez que tal sucede na vigência do Termómetro (sondagem mensal publicada no jornal “O Jogo”, na passada sexta-feira,  sobre o desempenho dos presidentes dos 3 “grandes”)”.
Este dado é tanto ou mais significativo quando se sabe que foi no último mês que o Benfica sofreu uma das suas maiores goleadas na Europa (5-0 frente ao Olympiacos, na Grécia, para a Taça UEFA), deitando quase por terra um dos principais objectivos da temporada.
A extraordinária receptividade dos benfiquistas a Luís Filipe Vieira resulta da conjugação de vários factores: 1 – O reconhecimento pela recuperação da credibilidade do clube; 2 – O reconhecimento pelo trabalho de equilibro económico-financeiro; 3 – O reconhecimento pelo trabalho de modernização das infra-estruturas desportivas; 4 – O reconhecimento pelo trabalho de recuperação do ecletismo do Benfica; 5 – O reconhecimento pela disponibilidade e energia demonstradas no reforço da militância e na expansão do benfiquismo, assim como na criação de novos projectos e lançamento de novos desafios: a Benfica TV e a Fundação Benfica, entre outros.
Os tempos difíceis que atravessamos obrigam-nos a uma responsabilidade acrescida. O Benfica é grande e importante demais para voltar a  cair em situações de aventureirismo, como as de um passado mais ou menos recente. O futuro obriga todos os benfiquistas a darem as mãos em prol de um projecto de Campeões.
 Ps1O meu texto anterior, intitulado “Mais que um clube” deu azo a alguns comentários a que pretendo responder. Uns “historiadores” chamavam a atenção para o facto da escravatura nos EUA ter sido erradicada muito antes dos anos 60. Se isso é verdade, de direito, não o é, de facto. Basta ler o que se passava em estados como o Alabama ou o Texas. Mas o que não foi erradicado foi a “escravatura moral”, que teve como ícone, Rosa Parks.
Ps2 - Nesse texto, referi alguns dos grandes jogadores que vestiram a camisola do Barcelona. Por lapso, referi Puskas, um grande jogador, sim, mas do Real Madrid. No texto, fazia a comparação entre o Barça e o Real, e isso levou ao lapso, pelo que onde se leu Puskas devia ler-se, Kocsis.
06
Dez08

Mais que um clube

Pedro Fonseca

Do Barcelona, dizem os catalães, que é “més que un club” – mais que um clube. Bandeira de uma região, a Catalunha, o Barcelona sempre foi uma espécie de braço armado da luta política contra o centralismo de Madrid. Orgulho dos catalães, em oposição ao arqui-rival e inimigo Real Madrid. Um mundo de cultura, de vivências sociais e políticas, separam estes dois emblemas.

 

É certo que o Barça apenas tem 19 títulos de campeão, contra os 31 do Real Madrid, e que só em 1992 conseguiu ser pela primeira vez campeão europeu, depois de ter tido nas suas fileiras jogadores como Puskas, Czibor, Cruyff, Maradona, Lineker, Romário, Krankl. Mas para os catalães é “més que un club”.
Circula uma tese que defende que o Benfica, não fossem os títulos de campeão europeu, em 61 e 62, não fosse Eusébio, não fossem os 31 campeonatos, as taças de Portugal, as inúmeras vitórias europeias, era como o … Leixões.
Sem o menor desrespeito pelo Leixões, antes pelo contrário, clube de grandes tradições , ouso discordar desta tese. E digo ouso porque de uma ousadia se trata, reconheço. Defender que o Benfica não é um clube de futebol, “core business”, como agora se diz, da sua actividade e principal razão da sua existência, é uma grande ousadia. Loucura? Talvez.
Vou tentar explicar porque defendo que o Benfica é “més que un club”. Não são as razões políticas, como as que servem de argamassa emocional no Barcelona, ou religiosas como no Celtic ou Rangers, que o explicam, mas o facto de como nenhum outro clube em Portugal, nem no Mundo, ter sabido ao mesmo tempo conciliar uma ideia do “ser português” com uma vocação universalista.
O Benfica foi, é e será sempre essa síntese, essa ponte, essa expressão identitária. Português, como nenhum outro, porque assumiu desde sempre a sua condição de “clube do povo”, antes, muito antes, das vitórias europeias e de Eusébio, porque não nasceu em berço de ouro, porque foi raio de luz, foi generoso, foi democrático, foi vermelho, foi simples, num Portugal que era sombra, era orgulhosamente só, era ditadura, era negro, era falso. Nunca se deixou “amarrar” nem submeter a nenhum poder, fosse ele político, social ou económico.
Um dia chamaram a esse ideal “mística”, uma palavra sem tradução, como saudade. Cosme Damião, fundador do clube, foi seu atleta, jogador, treinador. Sempre recusou ser presidente ou ter qualquer cargo directivo. A sua filosofia de vida, a sua generosidade, o seu humanismo, a sua alma, formatou o Benfica. É isto a Mística.
José Maria Nicolau, os mais novos não devem sequer saber quem foi, mas o Benfica, de sempre, está inteiro neste nome com três palavras, como Eusébio da Silva Ferreira ou Joaquim Ferreira Bogalho, ou Guilherme Espírito Santo.
Nicolau foi um dos maiores ciclistas portugueses e o maior do seu tempo, na década de 30. Ganhou duas Voltas a Portugal, em 31 e 34, mas pouca gente o sabe e nem sequer é por isso que é um nome imortal para os benfiquistas.
Passa despercebido a muitos, mas o Benfica tem no seu emblema uma roda de uma bicicleta, o primeiro “desporto do povo”. Em cima da bicicleta Nicolau levou a camisola vermelha do Benfica a um país inteiro que o idolatrava nas margens das estradas poeirentas, velhas, esburacadas.
Não foram as vitórias que o colocaram no coração do povo, foi a coragem, a determinação, a generosidade, a alma. A mística. Uma forma muito própria de ser português, mais português com a camisola do Benfica vestida.
Anos mais tarde, na década de 40, Joaquim Ferreira Bogalho, o primeiro “presidente do Estádio”, resolveu aplicar uma pena severa a um jogador. Esse episódio fez história e ainda hoje é recordado.
Félix era considerado o melhor defesa-central da Europa e, para muitos, o melhor defesa-central de sempre do Benfica. Depois de uma derrota em Setúbal, chegou aos ouvidos de Joaquim Ferreira Bogalho que Félix, irritado, tinha pisado a camisola do Benfica após a ter atirado para o chão no balneário. Bogalho expulsou Félix do Benfica. Quantas vitórias, quantos campeonatos não ficaram por ganhar em virtude desta decisão? Mas quem a ousa contestar?
Principal impulsionador da construção do Estádio da Luz, na década de 50, Joaquim Ferreira Bogalho foi o líder de uma gesta histórica. Sem dinheiro, sem infraestruturas, o Benfica apelou à generosidade dos seus milhares de sócios e adeptos para construir o Estádio da Luz. A “campanha do cimento” ficou histórica e uma das marcas de água do “ser benfiquista”. Foi com o suor, o sangue e as lágrimas dos benfiquistas que se construiu o Estádio da Luz. É isto a mística. “E pluribus unum” – Todos por Um.
E claro, houve Eusébio. Mas, note-se, muito antes já havia Benfica, muito depois continuou a haver Benfica. Não é tanto pelas vitórias que o menino negro, pobre, simples e tímido, de Mafalala, que um dia chegou a Lisboa para representar o Benfica, se tornou um símbolo, um ícone, uma estátua.
Foi porque Eusébio, como Coluna, empunhou o testemunho transmitido por Guilherme Espírito Santo, super-atleta da década de 30: a multiculturalidade, a multietnicidade, a união entre povos e raças. O Benfica era isso, é isso, será sempre isso.
Quando a escravatura ainda era uma forte realidade no maior país do Mundo, os Estados Unidos da América, o Benfica tinha como seus porta-estandartes 3 negros: Guilherme Espírito Santo, Eusébio da Silva Ferreira, Mário Coluna.
Quando o Estado Novo reagia em força às alterações à ordem estabelecida nas antigas colónias, o Benfica e os benfiquistas reviam-se na classe, no humanismo, na simpatia, de um angolano, Guilherme Espírito Santo, e de um moçambicano, Eusébio da Silva Ferreira, e colocava a braçadeira de capitão e a autoridade de líder no braço e na personalidade de um outro moçambicano, Mário Coluna – e foram eles que levaram o nome do Benfica por esse Mundo fora.
Em quase 105 anos de existência, há altos e baixos, há sombras e luzes, há festa e melancolia. A quem gosta de aferir instituições pelo currículo das vitórias, não basta responder  que o Manchester United esteve 25 anos sem ser campeão, o Real Madrid 17 e o AC Milan 18, porque nenhum destes clubes pode almejar ser o Benfica e tudo o que o Benfica representa.
Nem o Santos de Pélé, nem o Vasco da Gama, dos portugueses do Rio, podem algum dia almejar atingir essa dimensão. Porque a todos faltou um desígnio imaterial no dia da fundação. Porque todos são meros “clubes de futebol”. E os que dizem que não são só isso, como o Barcelona, têm uma agenda política muito própria e muito sua.
O Benfica está muito acima. O Benfica não é um clube de futebol porque é a emanação real e transcendental de uma ideia, de um sentimento, de uma alma: português na origem, universalista nos princípios, humanista na ética.
Quando uma criança de rua passeia descalça na Costa do Sol, em Maputo, só com a camisola do Benfica vestida; quando um restaurante na Cidade da Praia, em Cabo Verde, emoldura as suas paredes com fotos das equipas do Benfica; quando um moleque do Rio se lembra do histórico Santos-Benfica (5-3), em Paris, porque o pai lhe falou de um negrinho com 19 anos chamado Eusébio, igual a Pélé e Didi; quando em Luanda ou no Huambo se paravam os tiros para ouvir os relatos do Benfica; quando, às terças, uma fila imensa de gente espera a sua vez à porta da biblioteca municipal de Maputo para ler “A Bola” e a crónica do jogo do Benfica; quando em Newark o Dia de Portugal é festejado com bandeiras do Benfica e de Portugal; quando mais de 40 mil portugueses enchem o Stade de France, em Paris, para apoiarem o Benfica, naquela que foi a maior presença de sempre de adeptos de uma equipa visitante num jogo das competições europeias; quando, em Genebra, um emigrante português celebra a vitória da selecção circulando pelas artérias da cidade com bandeiras do Benfica a esvoaçar nas janelas  – de que é que estamos a falar?
De algo, porventura, sei lá, tão ou mais forte que a bandeira e o hino. Algo que não acabou, nem morreu, nem foi esquecido, com a descolonização e a independência das ex-colónias. Algo que os emigrantes levam consigo para o Brasil, para França, para a Suiça, para os Estados Unidos. Esse nome, Benfica.
ps1Por razões pessoais, este texto é publicado hoje e não na segunda-feira, o meu dia normal de postagem, tendo trocado com o António Souza-Cardozo, em cujas mãos ficará melhor a análise da vitória do Benfica no Funchal, domingo à noite, e consequente ascensão ao 1º lugar. Acredito na vitória, acredito no 1º lugar, acredito que vamos ser campeões. Porque o Benfica vive das vitórias e para as vitórias. Campeão, sempre campeão.
01
Dez08

Somos o 1º

Pedro Fonseca

Tinha previsto escrever um texto sobre a minha “ideia” de Benfica. O tema obrigava a algum tempo de reflexão, a que não me submeti, e a alguma investigação, que por falta de tempo negligenciei. Esta temática fica, assim, para posterior momento.

 

A semana, aliás, foi marcada pelo desastre de Atenas. O que, curiosamente, me fez recuar até à minha infância, ao momento onde, pela primeira vez, senti fervilhar dentro de mim a chama imensa e percebi com absoluta nitidez que só podia ser benfiquista. Foi em 1971, tinha 8 anos, e o Benfica tinha acabado de perder por 4 – 1, em Munique, contra o Bayern.
As derrotas, mesmo as mais pesadas, são muitas vezes, detonadoras de catarses necessárias. Porque será que as guardamos mais tempo no nosso subconsciente? Serão elas a verdadeira prova da nossa fé inquebrantável? Será que o orgulho ferido nos faz mais fortes, mais determinados? Será que da humilhação nasce a revolta?
Será, com certeza, tudo isto. Mas, o certo é que não sou nem mais nem menos benfiquista depois de Atenas, nem isso ocorreu depois de Vigo. As derrotas, mesmo as mais pesadas, são meros episódios de uma história gloriosa, de feitos e conquistas. Sem elas, não havia nenhum apelo: “levanta-te e caminha”. Não havia o gesto de sacudir o pó da camisola, levantar a cabeça, encher o peito de ar e lançar, de novo, o ataque.
Hoje à noite, na Luz, vamos receber os nossos heróis, de Atenas e de Nápoles, e mostrar-lhes que é nas derrotas que se veêm os campeões. Hoje à noite, na Luz, contra o Vitória de Setúbal, vamos regressar ao nosso lugar, ao primeiro lugar, certos de que é nas derrotas, mesmo as mais pesadas, que arranjamos, de novo, forças para retomar o trilho que fez a nossa história: o caminho da vitória. Somos o Primeiro.

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