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Mai09
O JOGO QUE EU VI
Pedro Fonseca
Fui um espectador atento do Braga – Benfica. Mas, devido ao lugar que ocupei no estádio tive a oportunidade de seguir de bem perto o comportamento de Quique Flores e de Jorge Jesus. Um mano a mano, um duelo particular, entre o actual treinador do Benfica e o seu provável sucessor.
O que terá escapado aos olhos da esmagadora maioria dos espectadores, pude registar, interpretar, descodificar. Quique estava meia dúzia de metros à minha frente. Jesus um pouco mais distante, mas ainda assim podia ver a contracção dos seus músculos da face.
Mais do que fazer julgamentos sobre tácticas, substituições, escalonamentos, o que me proponho aqui descrever e partilhar é aquilo que eu “vi” no comportamento dos dois e que escapou à maioria.
Começo por fazer uma apreciação geral, dizendo que nem um nem outro foram verdadeiramente genuínos. Estiveram durante 90 minutos a desempenhar um papel, como actores. A imitar. Talvez que apenas num ponto tenham sido eles mesmos – Quique nunca deixou de trocar opiniões com Pako, seu adjunto; Jesus nunca falou com ninguém.
Quique quis “imitar” Jesus. Jesus quis “imitar” Trapattoni. O treinador espanhol foi muito interventivo, quase excessiva e exageradamente. Viu quase todo o jogo em pé, gesticulando, berrando, discutindo.
Num jogo praticamente a feijões, Quique deixou no balneário o fato de gala e vestiu o fato-macaco. Foi um treinador operário, bem longe do perfil que patenteou durante toda a época. É certo que as notícias ao longo da semana fizeram mossa no espanhol. O Quique de Braga travestiu-se de Jesus do Benfica.
Pegou-se com o quarto árbitro quando percebeu que Jesus utilizava em benefício do Sporting de Braga um artifício muito vulgar nos treinadores portugueses. A uma semana de acabar o campeonato, Quique começou a aprender as peculiaridades do nosso futebol, as suas manhas e os seus alçapões.
E continuou pelo jogo fora a discutir as decisões arbitrais, ao extremo de ser expulso pelo árbitro Artur Soares Dias. Uma pergunta se coloca: será que Quique o fez de propósito? Será que encontrou nesta artimanha uma escapatória para não cumprimentar Jesus no final do jogo?
Só ele poderá responder. Certo é que não me passou despercebida a troca de olhares entre os dois, com Quique a caminho do balneário.
Jesus, por seu lado, não foi o Jesus habitual. Mais comedido, mais sereno, mais tranquilo. O homem que faz quilómetros ao longo da linha lateral durante 90 minutos; o treinador que não pára um minuto, gesticulando, dando ordens e orientando os seus jogadores, não esteve no estádio Axa.
Jorge Jesus quis dar uma imagem de “estadista”. Largou o fato-macaco, vestiu o fato de gala. Fez-me lembrar Trapattoni, a Velha Raposa, de pé junto à linha, mas sempre imperturbável.
De que maneira é que isso afectou os seus jogadores, nunca se saberá. O que parece uma evidência é que Jesus quis adoptar um comportamento mais à imagem de um treinador do Benfica.
Desde já, lanço-lhe um conselho: meu caro Jorge Jesus, não tente ser quem não é; o seu futuro sucesso está em continuar a ser aquilo que sempre foi, um treinador sempre de fato-macaco.
É esse Jorge Jesus que o Benfica precisa. Genuíno, conhecedor de tudo o que gira à volta do futebol português, trabalhador, dedicado. Não tente mudar a sua imagem, nem o seu carácter, nem a sua genuinidade.
A imagem pode ser muito importante, mas mais importante são os adeptos, e os adeptos do Benfica querem-no a liderar vitórias e títulos, estão-se nas tintas para quaisquer outros traços característicos que podem fazer as delícias de alguma comunicação social, mas são irrelevantes para aquilo que queremos de si. Vitórias e títulos! Dá para perceber Jorge Jesus?