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Abr09
O "SISTEMA" DE A a Z
Pedro Fonseca
O “sistema” está bem e recomenda-se. O “sistema” não dorme, raramente se distrai e a notícia da sua morte era exagerada. A história de construção do “sistema”, ou “polvo”, como quiserem, é mais ou menos conhecida, mas façamos uma breve viagem ao passado.
No início da década de 80, o fc porto tentou montar um esquema que permitisse consolidar os campeonatos ganhos em 78 e 79, quase 20 anos depois do último título. O primeiro a perceber essa necessidade dava pelo nome de código de “Zé do Boné”.
A estratégia era amadora, embora inteligente. O alvo era o Benfica (aliás, o alvo sempre foi o Benfica – que o sporting não conta e nunca contou) e os jornais da época começaram a divulgar as célebres tiradas do Zé, entre as quais a histórica expressão dos “roubos de igreja”.
Escusado será lembrar que o grande “roubo de igreja” desses anos tinha dado o título ao fc porto, em 78, quando o árbitro marcou um livre que não foi junto à área do Benfica, que deu o empate aos azuis e brancos, a 7 minutos do fim.
Com o desaparecimento do estratega-mor, entrou em campo o engenheiro-chefe, o gerente de caixa, o padrinho ou o papa – tudo nomes de código, claro. A estratégia mudou, foi mais burilada e mais adaptada aos tempos modernos.
O objectivo era o mesmo: tornar o Benfica um clube domesticado. Ao contrário do que muitos julgam, as benesses aos homens de negro era apenas uma das peças de um puzzle variado e diversificado. Imaginação não faltava para aqueles lados.
Nem gente disposta a submeter-se por um prato de lentilhas, entre as quais, infelizmente, temos de contar com alguns ex-presidentes do Benfica, que por ignorância, negligência ou oportunismo, fizeram o jogo do inimigo.
O engenheiro-chefe foi paciente, meticuloso e sabichão. Aproveitando o declínio, por motivos políticos, de clubes do Sul, como o Barreirense ou a CUF, ou económicos, como o Portimonense, tratou de “substituí-los” por clubes do Norte, que ascenderam à 1ª Divisão à custa da magnanimidade do grande clube do Norte. O exemplo mais paradigmático foi o Leça, mas outros podiam ser referidos.
A dívida de gratidão era paga com enormes hinos à verdade desportiva que campeonato após campeonato o País assistia, com o beneplácito das autoridades desportivas – também elas já condicionadas pelo “polvo”, como a Federação e a Liga.
O passo seguinte foi o do empréstimo de jogadores a esses clubes, a esmagadora maioria com os seus salários a serem pagos integralmente pelo grémio azul. Volto a lembrar o exemplo do Leça, mas podia referir muitos outros, e só não o faço porque alguns deles pagaram bem caro o terem querido libertar-se do jugo azul e estão agora paulatinamente a regressar do inferno.
Era ver como estes jogadores emprestados se “empenhavam” nos jogos contra o fc porto e sofriam uma metamorfose total quando defrontavam o Benfica. Era a verdade desportiva em todo o seu esplendor.
O puzzle estava ainda incompleto. Era preciso ir mais longe e mais alto. Aos árbitros? Ainda não. Aos observadores, aqueles que tinham por missão classificar os árbitros e, assim, fazê-los subir e descer de divisão ou, mesmo, torná-los “internacionais”, árbitros FIFA, com a consequente rentabilidade económico-financeira para os seus bolsos.
Assim, estes observadores, gente com necessidades básicas, eram sempre muito acarinhados pelo exército de voluntários ao serviço da missão papal. Nunca se saberá ao certo o volume das dívidas de gratidão que daí nasceram.
Mas há mais. A “cadeia alimentar” ainda estava incompleta. E os observadores, não tinham ninguém a quem obedecer? Claro que tinham: os delegados da Liga. Era então preciso condicionar estes delegados, para que tudo ficasse na ordem natural das coisas.
Depois, sim, lá teriam de vir os homens do apito, para que nada fosse deixado ao acaso. Este era o degrau mais complexo e mais perigoso. Porque o mais exposto. Era preciso muito tacto e muita disponibilidade.
Mas, claro, a coisa gozava de tanta impunidade que mesmo a melhor organização cometeu os seus deslizes: o “caso” do árbitro Francisco Silva (irradiado para ser o cordeiro de sacrifício essencial para esconder o “esquema” e desviar as atenções); a factura brasileira da viagem do senhor Amorim; e, por fim, os processos dos apitos.
Porém, a máquina não se engasgou. O edifício era (e é) quase impenetrável. A teia e a rede de cumplicidades, promiscuidades, gratidões, dívidas, favores, envolvem milhares de nomes, nos mais diversos cargos – uns dependem dos outros. A escada nunca se quebra, nenhum degrau fica vazio.
Falo disto para lembrar uma tese que entra directamente no compêndio dos esquemas montados pelo “polvo”. Um esquema muito engenhoso e que tem enganado muito boa gente. A estratégia passa por prejudicar o Benfica em alturas chave do campeonato e, depois, beneficiá-lo quando tudo está já decidido.
Esta época (e podia dar exemplo de todas as épocas) esta tese foi evidente no Benfica – Nacional, com o erro de Pedro Henriques; no Benfica – V. Setúbal, com a expulsão perdoada a um setubalense e o golo anulado ao Benfica); no Belenenses – Benfica (com 3 penáltis perdoados aos azuis do Restelo) e, exemplo máximo, no fc porto – Benfica, com o penálti marcado contra o Glorioso. Em todos estes jogos, que o Benfica empatou, a vitória permitia-nos alcançar o 1º lugar.
O inverso também é verdadeiro. O fc porto é beneficiado em alturas chave. Querem melhor exemplo do que o de ontem, em Coimbra, com o escandaloso penálti perdoado ao fc porto, com o resultado em branco?
O “sistema” ou o “polvo” tem muitas histórias para contar, mas ficamos por esta breve abordagem. É por isso que o Benfica não lhes pode dar tréguas. Ainda estamos a pagar o preço de algumas alianças espúrias entre o engenheiro-chefe e alguns dos nossos ex-presidentes. A esses, a História não os absolverá.