O DISCURSO DE QUIQUE
José Mourinho é conhecido pelos seus “mind games”, os jogos psicológicos que costuma utilizar antes das partidas para perturbar o adversário. O treinador do Inter de Milão, considerado o melhor do Mundo, pese a subjectividade desta eleição, introduziu na fleumática Inglaterra, quando ao serviço do Chelsea, um factor extra-jogo que deixou os britânicos estupefactos. “Special One” lhe chamaram, não tanto pelo domínio da táctica, nem pela forte personalidade de líder, nem sequer pelo currículo, mas sim pelo domínio completo do “jogo das palavras”.
O discurso de Mourinho, nas célebres conferências de Imprensa antes dos jogos, era tão ao mais temível que a equipa de estrelas do Chelsea. Com esse discurso, o treinador português matava dois coelhos de uma cajadada: elevava os índices de motivação dos seus jogadores a níveis impensáveis e lançava para o outro lado efeitos de perturbação que não raras vezes colocava o adversário em evidentes dificuldades.
Nunca se saberá, mas estou certo que Mourinho ganhou muitos jogos mesmo antes deles se iniciarem. Este exemplo é paradigmático do papel decisivo que hoje tem no futebol de altíssima competição as mensagens emitidas pelo treinador antes e depois dos jogos.
Na atónita Inglaterra, Mourinho foi talvez o pioneiro da pressão sobre os árbitros, chegando mesmo a apontar-lhes o dedo acusador depois de ter sido, na sua opinião, prejudicado – o que lhe valeu alguns castigos muito mediatizados. A Premiership nunca tinha visto nada assim.
Quique Flores vem de um futebol mais evoluído do que o português. O treinador do Benfica colhe muitas simpatias junto dos sectores mais insuspeitos, nomeadamente de sportinguistas e portistas.
Não vem mal ao mundo que tal aconteça. Quique tem um discurso moderno, transparente, honesto e civilizado. É simpático e correcto para com todos os agentes do futebol. É bom que assim seja. “Mind games” não são com ele.
Admiro Quique. Orgulho-me de ter um treinador que se rege por filosofias bem diferentes das dos seus rivais em Portugal. No entanto, há algo que me perturba. Quique é lesto e não tem papas na língua para criticar os jogadores quando acha que eles merecem. Foi assim com Balboa, foi assim com Reyes, foi assim com Cardozo.
Já quando a sua equipa é claramente prejudicada pelas arbitragens, Quique ou diz que estava a olhar para o lado, ou diz que não fala das arbitragens ou diz que os árbitros têm de ser ajudados.
O problema é que já não é a primeira, nem a segunda vez, que as palavras de Quique têm de ser rectificadas por Rui Costa. Foi assim com Nuno Gomes (não defendendo o jogador quando o capitão do Benfica foi acusado de atitude imprópria no final do Benfica – Nacional, algo que ninguém viu), foi assim com Pedro Henriques (recusando apontar o dedo ao árbitro quando este teve uma decisão prejudicial ao anular golo limpo do Benfica no final do jogo), foi assim quando disse que o segundo lugar também era importante (quando sabe, ou devia saber, que importante para o Benfica é ser campeão).
Há 7 meses em Portugal, Quique Flores teve tempo suficiente para perceber que as regras aqui não são as mesmas de Espanha. Se o treinador do Sporting critica os árbitros desde a primeira jornada, com os benefícios que se veêm; se o treinador do FC Porto até se dá ao luxo de comentar as arbitragens de jogos do Benfica, com os resultados que se conhecem, isto era motivo bastante para que o treinador espanhol reflectisse. E muito.
A fragilidade dos órgãos do futebol português e a falta de personalidade dos seus responsáveis é altamente sensível aos “mind games”. Jesualdo sabe isso desde sempre; e Paulo Bento conhece bem a técnica, ele que é um produto desta “escola”.
Nas últimas jornadas, esta falta de pressão legítima do Benfica tem-nos custado pontos valiosos. Foi assim no Restelo, foi assim no Dragão, foi assim, sábado, em Alvalade (ai o penálti sobre Aimar, aos 9 minutos, se tem sido assinalado, como tudo podia ter sido diferente…).
Ninguém pede a Quique para esconder deficiências da equipa com as críticas aos árbitros. Mas, que diabo!, ignorar, em nome de uma postura civilizada (seja lá o que isso quer dizer), as constantes malfeitorias que os árbitros têm feito ao Benfica, é deixar à solta e impune quem assim se sente confortável para continuar com esta vergonhosa campanha.
Utilizar uma linguagem supostamente civilizada num mundo onde esse conceito é quase desconhecido, é querer ser pomba em terra de falcões. Para além de que Quique tem de defender o Benfica, não a sua imagem.
A indignação é um direito, como bem disse um ex-presidente da República. Calar é consentir, sem nenhuma vantagem, nem nenhuma glória. Quique pode ser um homem ordeiro, cordato, bom rapaz, mas não são esses os atributos que o farão campeão. Nem nunca alguém se lembrará dele por esses atributos, se não for campeão.
Imitar Mourinho não é menosprezo para ninguém, antes pelo contrário. E “gajo porreiro” não é seguramente característica do actual treinador do Inter de Milão, nem epíteto que fará de alguém campeão.
Post-Scriptum: Questões de ordem profissional impediram-me de responder aos comentários que muitos benfiquistas fizeram ao meu último post: “O BENFICA GLOBAL”. Aproveito agora para agradecer ao Fernando Lopes, ao LF, ao Pedro5, ao José Almeida, ao Forteifeio, ao Mafarrico, ao Viriato de Viseu, ao Vítor Pereira, ao Daniel, ao António, ao O Glorioso, ao Jorge Ventura, ao Alexandre, ao Dylan, ao Luís Miguel, ao LC, ao Miguel, ao Dom Duarte Benfiquista, a todos o meu muito obrigado pelas palavras e pelo apoio.
A todos, um abraço do tamanho do universo benfiquista.
Pedro Fonseca