A Prima do Mestre-de-Obras!
Os Portugueses são pouco dados ao pensamento analítico.
Quando se trata de analisar e discutir são brigões, sanguíneos e emotivos o que normalmente lhe retira bom senso, objectividade e lucidez. Mas a evidência mais explícita deste “deficit analítico” dos portugueses é a tendência vertiginosa que todos temos para meter tudo no mesmo saco, confundindo alhos com bugalhos, misturando razões e emoções, não separando para análise aquilo que tem origem ou natureza diferente.
Por isso generalizamos e agravamos as injustiças relativas que nos fazem sofrer para, logo a seguir, condescendermos, com angelical compreensão, para as injustiças que nos fazem sorrir.
Como todos os outros, também eu sou português. E com a distância que me é imposta por um genoma de que muito me orgulho, também eu acho que em matéria de futebol temos sido miseravelmente roubados. Ou, num esforço de lucidez, importantemente prejudicados no “deve e haver” da justiça desportiva e, em especial, das arbitragens do actual campeonato.
A diferença entre os dois jogos disputados por Benfica e Porto com o Braga, foi apenas a de o Benfica ter sido prejudicado no jogo anterior e ... no seguinte.
As outras diferenças são desprezíveis e têm a ver com as atitudes, do actual treinador do Porto – que ao contrário de há uma semana já analisa lances e “intensidades”, e do que dizem ser futuro treinador do Porto que devia estar entretido a jogar “playstation” enquanto o seu clube de hoje era violentamente prejudicado em favor do que dizem ser o seu clube de amanhã.
Jesus fez juz á frase que o imortalizou de que “não há fair play no futebol”!
O Benfica tem sido prejudicado, dizemos nós, julgo que com justiça e sem confusões escatológicas.
Mas esta constatação não deve toldar-nos a vista, confundir-nos a análise e desviar-nos de uma outra questão essencial.
O Benfica desta época está a jogar bem? O Benfica deste novo ciclo de todas as esperanças tem a dimensão e estatura que gostaríamos? O Benfica dos novos 30 milhões somados aos passados 30 milhões, é o Benfica campeão e de envergadura europeia que nos prometeram?
E sem fugir às questões: O jovem dinâmico e ambicioso Quique Flores cumprir os objectivos para que foi contratado? Está a ser devidamente aproveitado o conhecimento, a notoriedade internacional e a paixão ao Benfica que nos é dedicada pelo Menino Rui?
Agora que estamos a meio da época sugiro que, sem grandes emotividades, cada um de nós faça uma análise fria ao desempenho do nosso Clube esta época.
Para essa análise de baixa temperatura, devemos pensar nos jogadores que vendemos e nos que compramos (ou remuneramos) em comparação com os nossos opositores directos.
Devemos pensar, sem ingenuidades, o nosso percurso europeu.
Devemos pensar que das 3 principais competições que disputamos só estamos vivos naquela onde ainda ninguém morreu.
E nessa, temos mais 1 ponto que na época anterior e menos 2 do que há duas épocas atrás.
A única diferença é que o Porto que no final da época passada, em termos de jogadores, vendeu certezas e comprou promessas, a única diferença dizia, é que o Porto tem, nesta época, cerca de menos 8 pontos que nas duas épocas anteriores.
Quer dizer, provavelmente somos mais competitivos porque o Porto está menos competitivo. Está mais a nossa mão. Mas o verdadeiro drama é que com todos estes milhões, com Quique e com o Menino Rui, não melhoramos.
Ainda não melhoramos, dirão alguns. Mas esta conversa do “amanhã é que vai ser” tem tantos anos que merece reflexão mais profunda. Porque é esta condescendência, esta falta de exigência e de rigor que nos tem tirado sentido crítico e afastado da grandeza que já tivemos.
E isso só não vê quem não quer ver. Olho com tristeza para a minha equipa e fico com a angústia e a sensação de quem vê estrelas e não vê o Céu.
Quantos, como eu, não sentiram mesmo quando reassumimos a liderança no jogo de Braga que não iríamos ficar aí por muito tempo? Não por termos sido beneficiados pela arbitragem. Como disse, ainda temos muito a haver nesse desiderato. Mas por termos jogado pior do que o Braga.
Por não termos merecido vencer. Como não merecemos passar a fase de grupos com equipas medianas do universo europeu que queremos liderar.
Em suma, devemos lutar com clareza e determinação por uma justiça no futebol que está decaída e espero que a nenhum benfiquista doa a voz ou falte coragem para falar sempre a verdade em defesa do nosso Clube.
Mas devemos ter também a frontalidade de assumir que este novo ciclo não está a ter os resultados prometidos e que é necessária uma nova cultura de exigência e de orientação para os resultados na gestão do Benfica.
Se misturarmos a análise destas duas questões que, apesar de interligadas, têm origem e natureza diversa então, corremos o risco de errar e, pior do que tudo, de deixar que o Benfica continue a errar.
Para que o Novo Benfica reabilite o Benfica de Sempre precisamos de lucidez e de rigor. E deixarmos todos de tomar a nuvem por Juno, a árvore pela floresta ou, simplesmente confundir a Obra-Prima do Mestre com o a prima do mestre-de-obras.
António de Souza-Cardoso