05
Jan09
ENSAIO SOBRE O CARÁCTER
Pedro Fonseca
Eu, benfiquista primário, me confesso: estou envergonhado! O que vi, ontem à noite, na Trofa foi mais que uma derrota. É difícil explicar, mas Rui Costa e Quique resolveram-me o problema: falta de carácter.
Apesar dos dois responsáveis máximos pelo futebol terem dado a cara (bom sinal) no final da partida e terem assumido as responsabilidade (outro bom sinal), deduzi que a acusação de falta de carácter referida se destinava aos jogadores.
De entre os vários significados que o Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora (8ª edição) dá à palavra carácter, retiro os seguintes: génio, energia, firmeza, força de ânimo. Ora bem, Rui Costa e Quique têm razão – faltou carácter.
O que me pergunto, e coloco à reflexão dos leitores, é que Benfica vamos ter daqui para a frente? Esta não é uma questão meramente retórica. A bem do Benfica, clube e equipa de futebol, esta época tem de ser dividida num a.t. (antes da Trofa) e num d.t. (depois da Trofa).
Digamos que o jogo de ontem foi um “buraco negro”, como se diz na astrologia. Para retomarmos o trilho anterior de vitórias, que sempre foi o “sinal distintivo” (outro significado de carácter) do Benfica, é preciso duas coisas: mão dura e cabeça fria. É isso que peço a Rui Costa e a Quique Flores – mão dura e cabeça fria.
Sobra a questão do carácter. Isso é algo que se tem ou não se tem. Não se compra, não se aluga, não se injecta. Quem lida diariamente com os jogadores do Benfica saberá bem porque falou em falta de carácter ontem à noite.
Eu poderia colocar-me aqui a fazer perguntas de algibeira: porquê isto? porquê aquilo? (porque foi o Benfica o último dos “grandes” a regressar ao trabalho? – por exemplo). Mas prefiro continuar a falar de carácter – ou da sua falta.
Ora, se bem se recordam, carácter quer dizer, entre outras coisas, energia e força de ânimo. Mais de duas horas antes do jogo, resolvi percorrer as ruas da Trofa, próximas do estádio. Vi os passeios pejados de milhares de pessoas, com cachecóis, bandeiras, camisolas, à espera do autocarro que transportava os jogadores do Benfica. Gente de perto e de longe. Homens, mulheres e crianças. Gente, na sua esmagadora maioria, humilde. Gente com energia e força de ânimo. Gente de carácter. Gente à Benfica.
Os jogadores do Benfica viram bem as caras, as mãos, de toda essa gente que os recebeu em delírio, em euforia, em deslumbramento. Pessoas que fizeram centenas e centenas de quilómetros. Pessoas que pagaram um preço elevado de bilhete para ver o Benfica.
Será que os jogadores do Benfica não têm sentimentos? Será que lhes é completamente indiferente esse ambiente de loucura à sua volta?
Fazer feliz toda essa mole humana fantástica custa tão pouco. Custa apenas ter um pingo de vergonha e de personalidade. E ter sentimentos por quem de quase tudo se despoja para os ir ver jogar. “Sentir o Benfica” é outro dos significados da palavra carácter.
Post-Scriptum: Bastava que os jogadores do Benfica bebessem um pouco da energia e força de ânimo dos seus adeptos para tudo ser diferente. Quero homenagear todos os adeptos do Benfica que ontem estiveram na Trofa na pessoa de um amigo especial e ilustre benfiquista chamado António Souza-Cardoso, a quem não falta carácter, nem energia, nem força de ânimo.