24
Nov08
Deixem jogar o Reyes
Pedro Fonseca
Uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete. Chegado aqui parei de contar. Não porque os meus conhecimentos de Matemática não dão para mais, mas porque mais uma ou menos uma falta era já quantitativamente irrelevante.
Domingos Paciência tem um problema com o Benfica. Sejamos mais rigorosos: Domingos Paciência tem um problema com o FC Porto. Estes dois factos não são contraditórios. Criado no seio de uma cultura “desportiva” que elegeu o Benfica como “inimigo”, o actual treinador da Académica leva a coisa a peito.
O que não deixa de ser tragicamente irónico num homem que tinha tudo para ser um bom treinador e um agente civilizado do futebol português, que deles está bem carenciado. Mas Domingos sente que tem de ir para o banco sempre com a camisola do FC Porto vestida, esteja em Leiria ou em Coimbra.
Há uns anos atrás, ficou célebre a imagem do então treinador da União de Leiria, durante um jogo com o FC Porto, com os olhos no chão, evitando ver a realidade – a “sua” equipa derrotava o “seu” FC Porto. E isso era mais do que Domingos podia suportar.
Ontem, em Coimbra, não houve olhos no chão. Mas houve uma perseguição impiedosa e miserável dos jogadores da Académica a esse fora-de-série chamado José António Reyes. Uma, duas, três, quatro, cinco, seis faltas. Uff…
O extremo espanhol deve ter sentido bem na pele que nos relvados portugueses a genialidade é atributo mal visto e a cortar pela raiz. Pelo que se exige aos árbitros portugueses que defendam a genialidade, a qualidade, o talento. É para ver jogadores como Reyes que os adeptos de todos os clubes pagam bilhete para ir ao estádio.
Apetece dizer: “Deixem jogar Reyes”. O que fez Domingos, ele que foi um bom jogador de futebol e devia ter tido uma acção pedagógica junto dos seus jogadores? Mal viu Bynia entrar mais acutilantemente sobre um jogador da Académica, sem nele tocar sequer, Domingos saltou como uma mola do banco para barafustar.
É certo que Bynia tem sido perseguido injustamente pelos árbitros, ele que é um jogador viril mas leal, e o Benfica tem de o defender publicamente. Mas o camaronês não é homem de olhar para o chão, em situações mais embaraçosas, pelo contrário, é homem de olhos nos olhos, e de carácter.
Depois dos olhos no chão de há anos atrás, Domingos brindou-nos ontem com mais uma imagem para a posteridade. Com a boca cheia de ar e o olhar incrédulo, o treinador da Académica revelava o que lhe ia na alma: “Bolas, mais uma vez estes tipos a fazerem-me a vida negra”. É que a última derrota da Académica foi há cerca de um ano, contra o Benfica, em Coimbra.
E pronto. Podia ter falado da lição táctica que Quique deu a Domingos. Podia ter escrito sobre a quarta vitória consecutiva. Podia ter feito a antevisão do jogo, quinta-feira, contra o Olimpiacos, na Grécia. Podia ter sublinhado um facto, um pormenor, mas tão, tão, tão importante: Reyes com a bola dominada junto da área da Académica não prossegue um lance de grande perigo para que seja assistido um jogador da Briosa.
Pois é, são estes pequenos pormenores que revelam o carácter das pessoas, não são Domingos?