17
Nov08
O Presidente do Povo
Pedro Fonseca
Cada clube tem a sua matriz genética, cada presidente o seu estilo. O ideal será uma comunhão entre as características mais marcantes da massa associativa e o perfil pessoal do líder.
O Benfica atingiu esse ponto de convergência entre aquilo que é a essência do clube e a forma de estar, a filosofia de vida, do actual Presidente do Glorioso. Passemos a explicar.
Clube do povo, o Benfica não nasceu em berço de ouro, como os seus dois mais directos rivais. Escolheu a cor vermelha, como forma de melhor expressar essa ligação indelével às camadas mais pobres e de estratos sociais mais baixos.
O contraponto com o Sporting, clube da aristocracia e do regime, e com o FC Porto, da alta burguesia portuense, foi evidente e notório. As vitórias no campeonato, a conquista da Taça Latina, em 1950, e, principalmente, a epopeia dos anos 60, com as duas vitórias na Taça dos Campeões Europeus, fizeram do Benfica um fenómeno de aceitação em Portugal e nas antigas colónias.
Se a base, onde estava a esmagadora maioria dos adeptos, sócios e simpatizantes, era preenchida com a gente pobre e assalariada, os golos de Julinho e de Eusébio, mas também as vitórias de José Maria Nicolau, na Volta a Portugal em bicicleta, garantiram um apoio transversal em todas as camadas da população.
Mas o Benfica nasceu povo, é povo e será sempre povo. Nem sempre os líderes do clube souberam perceber esse toque divino à nascença. Uns por distinção social, outros por estilo.
Não é o caso de Luís Filipe Vieira. O actual presidente do Benfica pode vir, no futuro, a ser identificado como o “Presidente do Estádio”, ou o “Presidente da Credibilidade”, ou, ainda, o “Presidente da Recuperação Económico-Financeira”, ou, mais ainda, o “Presidente do Regresso aos Títulos”.
Mas, verdadeiramente, o que lhe vai garantir um lugar ao lado de Joaquim Ferreira Bogalho, Maurício Vieira de Brito e de Duarte Borges Coutinho, é o facto de ser (ter sido) o “Presidente do Povo”.
Por debaixo da capa de negociador implacável, de empresário de mérito e de gestor de sucesso, está a alma de um adepto comum, igual à de milhões e milhões de adeptos do Benfica espalhados pelo Mundo.
O homem que não troca o bom nome e a credibilidade do Benfica pelas vitórias (mesmo que isso não seja totalmente entendido); o homem que prefere manter os pés na terra, cumprindo os contratos que celebra (mesmo que isso lhe acarrete algumas incompreensões); o homem que não hipoteca o futuro do Benfica mesmo que lhe agitem ilusórias e efémeras vitórias – esse homem é o mesmo que vibra com os êxitos e com os títulos, sejam os do futsal ou os do futebol; é o mesmo que desde que há cinco anos assumiu a liderança do Benfica, não se cansa de percorrer as Casas do Benfica, de Norte a Sul, para estar junto do “povo benfiquista”.
Em 2004/2005, no Bessa, na última jornada do campeonato, com o Benfica a conquistar o título depois de 11 anos de jejum, Vieira foi o adepto comum, que entrou no relvado para abraçar um a um todos os jogadores que tinham acabado de cumprir um sonho.
Aliás, escrevo-o com conhecimento de causa, às vezes essa paixão irracional de adepto transfere para segundo plano o rigor do gestor de créditos firmados. Por um momento, Luís Filipe Vieira também deixou que o seu “coração vermelho” se aventurasse e fugisse para fora do controlo do frio e imprescutável guardião do rigor e do equilíbrio das contas do maior clube do Mundo.
No ano do título (2004/2005), após a inesperada e quase catastrófica derrota em Penafiel, o Benfica precisava de vencer o Sporting (fulgurante com Peseiro) na Luz para unicamente depender de si para chegar ao título.
Logo nessa fatídica noite, Vieira fez saber junto da Direcção do Boavista que estava na disposição de comprar toda a bilheteira do estádio do Bessa, onde o Benfica disputava o último jogo do campeonato.
O arrojo e a coragem teve um preço. Alto. Quase um milhão de euros. Em Óbidos, no primeiro dia de estágio com vista ao jogo com o Sporting, o Presidente do Benfica reuniu todo o plantel e colocou em cima da mesa os caixotes com os bilhetes adquiridos. Disse apenas que o que estava ali dentro era o sonho de milhões de benfiquistas e que esse sonho não podia ser desfeito.
Luisão avançou e batendo com a mão no peito garantiu: “Presidente, vamos ganhar e vamos ser campeões”. Na Luz e no Bessa, a história é conhecida. Onze anos depois, o Benfica era, de novo, Campeão. E Luís Filipe Vieira, o “Presidente do Povo”.
Post-Scriptum: O "post" do António Souza-Cardozo sobre o Bruno Carvalho tem toda a minha solidariedade e o meu apoio. Sem me querer alongar, apenas digo isto: o Bruno é um verdadeiro benfiquista, de corpo e alma - com a coragem que eu gostaria de ter e com um coração do tamanho do Mundo. Voltarei a este assunto no "O INFERNO DA LUZ".