Apesar de estarmos num blog do Benfica, não me parece nada estranho que falemos do nosso principal adversário dos últimos anos.
Aliás, estou em crer que é a dificuldade em perceber qual a relação que o Benfica deve ter com o FC Porto que nos tem levado a tantos equívocos e dissabores.
Acho, igualmente, positivo clarificar, desde já, que tenho um grande respeito pelo FC Porto e que muitos dos meus melhores amigos são portistas, o que até é natural atendendo a que eu vivo na cidade do Porto.
Não me parece que seja possível compreender o que é actualmente o FC Porto sem fazer um retrato da realidade social vivida na cidade do Porto e na Região Norte de Portugal.
Se olharmos para o Índice de Poder de Compra (IPC) verificamos que, sendo a média de Portugal 100, o Índice de Poder de Compra na Região de Lisboa e Vale do Tejo é de 149 e o do Norte é de 83.
Lisboa é, de facto, o local de Portugal onde o poder de compra é mais elevado, situando-se, claramente, acima da média do País, enquanto no Norte o poder de compra é apenas 55% do de Lisboa (praticamente metade) e situa-se muito abaixo da média nacional.
Se, por outro lado, olharmos para os dados de desemprego do final de 2007, verificamos que a Taxa de Desemprego em Portugal se situava nos 7.9%, enquanto no Norte atingia 9.5%, sendo a zona do País mais afectada por este flagelo.
Apesar de alguma recuperação em 2008, é previsível que o Norte seja atingido com violência pela actual crise devido às características exportadoras de muitas das suas empresas, numa altura em que os principais mercados (Estados Unidos, Espanha, Alemanha, etc.) estão em clara recessão.
Pode-se, ainda, constatar que as oportunidades de emprego nas multinacionais, na Administração Pública e na área dos serviços estão quase todas em Lisboa. Assim, o Porto vê constantemente os seus jovens irem viver para a capital ou para o estrangeiro.
Mas não é preciso olhar muito para os números para se perceber a difícil situação que o Porto e o Norte do País atravessam.
A cidade do Porto assistiu, nos últimos anos, a uma confrangedora perda de importância no contexto nacional.
Tomemos, por exemplo, o caso dos bancos. Várias instituições financeiras que tinham sede no Porto, transferiram o seu centro de decisão para Lisboa, de uma forma formal ou informal. O BPA, BCP e até o BPI são casos disso.
Ao nível da Comunicação Social o panorama também tem sido deprimente, tendo fechado um título emblemático como “O Comércio do Porto” e com “O Primeiro de Janeiro” reduzido a quase nada. Mesmo o grande jornal da região, o “JN”, está longe de ser o jornal do Porto como era no passado.
O Porto é humilhado e mal tratado quase diariamente. Por exemplo, o aeroporto do Porto é controlado por Lisboa e agora até a gestão do Metro do Porto foi assumida pelo governo e retirada às instituições locais, apesar do Metro ser considerado um caso de enorme sucesso.
Em largas franjas da população do Porto há o sentimento que a capital portuguesa é centralista, egoísta e pouco solidária com o resto do País.
Pode-se dizer, sem exageros, que o Norte de Portugal e a cidade do Porto em particular, vivem uma das situações mais difíceis da sua história, onde a pobreza, a falta de perspectivas de futuro e a sensação de abandono predominam.
Provavelmente muitos dos que estão a ler o que escrevo, e muitos são de Lisboa, não acreditam em mim ou acham que estou a exagerar.
Infelizmente não estou. A situação é ainda pior do que aquela que eu consigo transmitir.
É importante que se diga que eu não tenho nada contra Lisboa. É uma cidade de que eu muito gosto, da qual me orgulho (em especial do Estádio da Luz) e onde tenho diversos amigos.
Isso não me impede de constatar que já há vários anos os nossos políticos optaram deliberadamente por concentrar toda a riqueza e quase todo o investimento em Lisboa na tentativa de criar uma cidade que fosse capaz de competir com as principais metrópoles europeias e designadamente com Madrid e Barcelona.
No entanto, esse modelo adoptado, que existe na prática, mas não é comunicado formalmente às pessoas, tem graves consequências, quer para o resto do País quer para a própria cidade de Lisboa, que também sofre com essa opção, uma vez que esta acarreta enormes inconvenientes, desde problemas sociais, de exclusão, de violência, de criminalidade, de mobilidade e muitos outros.
É neste contexto de grave crise no Norte do País e de profundo desânimo, que temos que olhar para o FC Porto e para as suas vitórias.
É que o FC Porto tornou-se a alegria e a esperança de muita gente.
Eu acho ridícula a falta de noção que existe relativamente à estratégia para derrotar o FC Porto.
Eu dou um exemplo: muitos acham que agridem ou diminuem o FC Porto chamando-o “Clube Regional”. Acham esses que assim insultam ou ridicularizam o Porto. Nada de mais errado.
O Porto é de facto um clube regional. Mas o Porto quer ser um clube regional. Está nos genes do Porto ser um clube regional. É isso que dá força ao Porto. Olhemos para o Barcelona. Não é o Barcelona um clube regional? E isso diminui o Barcelona?
Quanto mais chamarem ao FC Porto “Clube Regional”, mais forte estão a torná-lo, mais estão a unir os jogadores, os adeptos, mais o Porto se torna bandeira da Região Norte.
É por isso, e muitos não o entendem, que é difícil ser-se benfiquista hoje na cidade do Porto. É que o FC Porto é usado por muitos como um instrumento numa pretensa guerra Norte-Sul.
É por não me identificar com essa guerra, e muito menos com a utilização do futebol para esses fins, que me sinto muito confortável de gostar tanto do Benfica, mesmo vivendo no Porto, ainda que isso me traga às vezes alguns dissabores. E, efectivamente, traz.
O Benfica é, de facto, um clube diferente, um clube com uma implantação mundial e com uma dimensão muito superior à do FC Porto.
Mas no Benfica, essa dimensão e essa grandeza em nada têm contribuído nos últimos anos para as vitórias. É que tem faltado humildade e respeito pelos outros para transformar essa força em resultados desportivos.
O Benfica, pura e simplesmente não tem sabido reagir aos sucessos do FC Porto e ao presidente que o Porto tem.
E já agora que falamos do presidente do FC Porto, parece-me importante perceber o que é o Porto antes e depois de Pinto da Costa.
Pinto da Costa assume a presidência do Porto em 1982. Nessa altura o Porto tinha no seu palmarés 7 campeonatos, 4 Taças de Portugal, 2 Supertaças e nenhum título europeu, nem sequer uma final.
Durante os mandatos de Pinto da Costa como presidente, o Porto ganhou 16 campeonatos, 9 Taças de Portugal, 13 Supertaças, foi 2 vezes Campeão Europeu, ganhou 2 Taças Intercontinentais, 1 Taça UEFA, 1 Supertaça Europeia e isto para falar apenas de futebol.
Pinto da Costa ganhou 70% dos campeonatos que o FC Porto conquistou ao longo do seu historial, 69% das Taças de Portugal, 87% das Supertaças e 100% dos títulos europeus que o seu clube venceu.
O actual presidente do FC Porto conseguiu que o Porto ultrapassasse o Sporting no ranking de títulos conquistados a nível interno e tornou o Porto o clube português com mais títulos internacionais ganhos.
Desde que Pinto da Costa é presidente, o Porto ganhou 16 campeonatos enquanto os restantes clubes todos juntos ganharam 11. Mas o pior de tudo é que esse domínio tem-se vindo a acentuar. O Porto que nunca tinha ganho sequer 1 tricampeonato, chegou a um penta e nos últimos 6 anos ganhou 5 campeonatos, sendo actualmente, tricampeão.
Falo das vitórias do Porto com a frieza dos números e com a tristeza de ver ano após ano a total incapacidade do Benfica em reagir de uma forma enérgica a este cenário.
Uma das coisas que na realidade mais me choca é o facto do Benfica ter demonstrado uma total inépcia para lidar com Pinto da Costa ao longo de todos estes anos.
Foi, aliás, o ódio a Pinto da Costa que fez com que os benfiquistas elegessem Vale e Azevedo para presidente do Benfica. Na altura, Vale e Azevedo era apelidado o “Pinto da Costa Vermelho”.
Na última década, apenas por duas vezes vi o Benfica reagir a Pinto da Costa com determinação e estratégia. Uma foi na época 2004/05 com José Veiga e a outra vez é agora com Rui Costa.
É importante clarificar que José Veiga e Rui Costa têm comportamentos totalmente diferentes e que eu nunca me identifiquei com Veiga e sou um confesso admirador de Rui Costa.
Apesar de não gostar do estilo de Veiga (ainda hoje me lembro de uma lamentável conferência de imprensa em que Veiga e Luís Filipe Vieira atacavam a vida pessoal de Pinto da Costa), reconheço que ele foi capaz de blindar o balneário do Benfica, construir um espírito de grupo, defender o treinador e o grupo de trabalho. E isso deu-nos um título ao fim de 11 anos.
Hoje, felizmente, temos o Rui Costa. Rui Costa já no defeso respondeu com mestria a Pinto da Costa, no momento em que ferido pela ida de Cristian Rodriguez para o Porto, foi buscar o Reyes ao Atlético de Madrid.
Rui Costa com os seus conhecimentos de futebol conseguiu outra coisa que há muito não se via: o Benfica tem melhor treinador e melhores jogadores que o Porto. Se o Benfica tivesse no seu seio o hábito de ganhar eu diria, desde já, que o campeonato era nosso. Como esse hábito não existe, as pernas tremem mais, mas até para isso Rui Costa é fundamental. Rui Costa já ganhou tudo e com a sua experiência de Milão seguramente conseguirá transmitir ao grupo a confiança necessária para sermos campeões.
E com melhor equipa e com melhor treinador que os nossos adversários, os resultados estão á vista: temos já 4 pontos (no mínimo) de avanço sobre o Porto e 5 sobre o Sporting.
Há, ainda, outra questão que poucos têm referido, mas que me parece determinante também para os resultados que o Porto tem conseguido. Há já vários anos que o orçamento do Porto para o futebol é maior que o do Benfica e do Sporting juntos. Este facto demonstra bem onde tem estado a liderança do futebol português.
Na realidade, não sei se isso é uma situação sustentável para o Porto a longo prazo e, com franqueza, isso não me interessa pois não me preocupam as finanças dos outros clubes. Mas que isso confere uma grande vantagem desportiva ao Porto, isso é inegável.
No entanto, isso, por si só não explica tudo, uma vez que há vários anos que o orçamento para o futebol do Benfica é significativamente maior que o do Sporting e nós temos ficado sistematicamente atrás deles e até conseguimos ficar atrás do Guimarães que tem um orçamento muitíssimo menor.
Vamos agora, então, ao tema da corrupção. Sei bem que é disso que esperam que fale e aqui revele se sou ou não um verdadeiro benfiquista.
Que tristeza! Onde nós chegámos! A prova de fogo de um benfiquista é a forma como trata, ou melhor, como insulta, o presidente de um clube adversário e não aquilo que pode fazer pelo seu próprio clube.
Esse tem sido o erro sistemático do Benfica. O Benfica em vez de construir uma identidade forte e ganhadora, desperdiça o seu tempo a pensar em Pinto da Costa e como o pode ofender.
Se alguém pensa que vou insultar o Presidente do FC Porto, pode parar já de ler este texto, uma vez que não o vou fazer. Eu tenho respeito pelo presidente do FC Porto, como imagino que Luís Filipe Vieira tinha por ele quando era presidente do Alverca.
Mas não pensem que vou fugir ao assunto. Eu vou falar com franqueza de Pinto da Costa.
Pinto da Costa foi condenado no âmbito do Apito Final, por corrupção desportiva, pelo Conselho de Disciplina da Liga e recorreu da sentença, que veio a ser confirmada pelo Conselho de Justiça da Federação, numa reunião recheada de polémica. Sinceramente eu acho que essa reunião foi uma vergonha e não deixou ninguém convencido de que aí se fez justiça. A reforçar o que digo, está o facto do TAS (Tribunal Arbitral du Sport), em Lausanne, na Suíça, ter desconsiderado totalmente essa decisão do Conselho de Justiça.
Pinto da Costa, entretanto, recorreu para os tribunais administrativos, onde, entre outras coisas, põe em causa a utilização das escutas telefónicas como meio de prova. Este processo ainda decorre, pelo que devemos aguardar atentamente os seus resultados, ainda que já se saiba que o Supremo Tribunal Administrativo, no processo do presidente da U. Leiria, veio dizer que as escutas não poderiam ser utilizadas, o que pode fazer reverter todo este processo.
Quanto ao FC Porto a história é ainda pior. O FC Porto foi condenado pelo Conselho de Disciplina da Liga e, pasme-se, não recorreu.
O Porto cometeu, na minha perspectiva, um erro trágico ao não ter recorrido da sentença que o condenava no processo Apito Final.
É que a honra não tem preço e muito menos se vende por 6 pontos.
Por mais que tenham descoberto depois que o recurso de Pinto da Costa aproveita ao Porto, o certo é que o Porto não recorreu, o que significa que aceitou o castigo e logo qualquer um pode deduzir que o Porto se deu como culpado num processo de corrupção desportiva.
Deste modo, o Porto colocou-se numa posição em que lhe é muito difícil defender-se quando alguém lhe chama “corrupto”. A provar o que eu digo estão as várias declarações feitas pelo presidente da UEFA, Michel Platini, a propósito do Porto que devem fazer corar de vergonha qualquer dirigente ou adepto portista.
O Porto comportou-se com esperteza saloia, não tendo assumido a postura séria que uma instituição de prestígio exigiria, sabendo-se que o principal valor que se deve defender na vida é a honra.
E, neste caso, Pinto da Costa esteve muito mal.
Das duas, uma: ou Pinto da Costa concordou com o facto de o Porto não ter recorrido, o que no meu ponto de vista é um erro lamentável ou, se não concordou, tinha que se demitir, uma vez que era ele o presidente e não poderia transigir num assunto desta importância. Demitia-se e a seguir convocava eleições ouvindo a opinião dos sócios do seu clube.
Assim, Pinto da Costa, apesar de ser um Presidente dos mais bem sucedidos em termos de títulos na história do futebol mundial, apesar de ter construído um estádio novo, apesar de ter construído um centro de estágios, apesar de ter renovado o campo da Constituição, apesar de estar a terminar o pavilhão, cometeu um enorme erro.
Na minha opinião 6 pontos estragaram tudo e o Porto perdeu o respeito dos seus adversários porque não soube dar-se ao respeito.
Eu prefiro sinceramente nada ganhar do que a desonra que se abateu sobre o FC Porto.
Contudo, eu não sou dos que acha que o Porto conquistou todas as vitórias que enumerei por ser um clube corrupto ou porque comprou tudo e todos.
Eu não alinho na conversa do sistema que me parece, sobretudo, uma desculpa para quem não consegue ganhar em campo.
Estou convicto que o Porto ganhou o que ganhou porque ao longo destes anos foi melhor que o Benfica e porque tinha melhores equipas e melhores treinadores que os seus adversários.
O Porto chegou inclusivamente a ser Campeão Europeu com uma equipa que poderia ser a do Benfica. O treinador era o do Benfica (Mourinho), os jogadores principais (Deco e Maniche) eram do Benfica, e depois o próprio Mourinho foi buscar Derlei e Nuno Valente ao Leiria e Paulo Ferreira ao Setúbal por meia dúzia de tostões. O sonho que se viveu no Porto podia, perfeitamente, ter sido vivido pelo Benfica.
Todos bem sabemos que Pinto da Costa definiu, há muito, o Benfica como alvo a abater. E nesse aspecto, há que admitir que o Benfica tem dado uma grande ajuda, com constantes tiros nos pés. Não foi com certeza Pinto da Costa que elegeu presidentes como Manuel Damásio ou Vale e Azevedo. Não foi Pinto da Costa que contratou, ao longo de anos, centenas de jogadores medíocres e treinadores sem qualidade, deixando fugir os principais talentos para os adversários directos.
O Benfica queixa-se muito do sistema, mas devia queixar-se sobretudo do seu sistema de gestão desportiva que tem sido miserável ao longo de todos estes anos.
No que diz respeito às arbitragens, que fique claro que eu não gosto dos árbitros portugueses e acho que eles são, na sua maioria, medíocres. Mas isso é consensual.
De facto, basta perguntar aos adeptos do Porto ou do Sporting se gostam dos árbitros que temos. Perguntem-lhes se não acham que os seus clubes são prejudicados pelos árbitros. Eles acham genuinamente que sim, como acham os adeptos dos clubes mais pequenos. No fundo acham todos. É que os árbitros, na sua generalidade, são francamente maus.
No entanto, não acho que sejam os árbitros a génese dos problemas do Benfica e a prova está aí à vista de todos.
Como já disse atrás, Rui Costa assumiu a pasta do futebol e o Benfica construiu logo uma melhor equipa que os seus adversários, tendo melhor plantel e melhor treinador que os demais, e os resultados apareceram de imediato. O Benfica tem já 4 pontos (no mínimo) de vantagem sobre o Porto e 5 sobre o Sporting.
Esse é o caminho. O caminho do conhecimento, do saber estar e da competência.
É por isso, e por muito mais motivos, que eu gosto tanto do Rui Costa!
Bruno Carvalho
PS 1: A confirmar muito do que eu disse, o FC Porto qualificou-se para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões pelo 3º ano consecutivo, mesmo com a pior equipa dos últimos anos. Registe-se que, desde que existe Liga dos Campeões, é a 9ª vez que o Porto passa a fase de grupos, sendo que o Benfica apenas conseguiu tal feito uma única vez, com Ronald Koeman, na época 2005/2006.
PS 2: Questionado pela RTP sobre quem seria o melhor jogador da Liga Portuguesa, Pablo Aimar (outra vez lesionado!) respondeu que era Lucho González, jogador do FC Porto. Será que não chega de dar tiros nos pés? Não haverá ninguém no Benfica atento a estas coisas? Alguma vez alguém do Porto disse que o melhor jogador da Liga era o Simão Sabrosa? Não podia Pablo Aimar ter dito que era o David Suazo, o Reyes ou o Luisão? Ou até não poderia ter dito, com um sorriso, que era ele próprio? Tinha que dizer que era um jogador do Porto? Agora imaginem lá quem se ficou a rir…