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Set09
A GRANDEZA DE UM CLUBE
Pedro Fonseca
De que é feita a grandeza dos clubes? De títulos, de vitórias, de mediatismo, de ecletismo? De tudo um pouco, sem dúvida. Mas alguém no seu perfeito juízo deixa de considerar o Real Madrid um grande clube só porque as circunstâncias aleatórias que rodeiam um jogo podem não lhe ser favoráveis, ano após ano?
Alguém com um mínimo de senso pode pensar o mesmo do Bayern de Munique ou do Ajax ou, fora do terreno europeu, do Flamengo? Não foi por acaso que nomeei estes clubes. Todos eles passaram, ou ainda passam – como é exemplo paradigmático o Ajax –, por grandes travessias do deserto, décadas gloriosas deram lugar a anos sem títulos.
A justificação deve ser procurada caso a caso. Desconheço as causas do ocaso do Flamengo, mas as do Bayern e do Ajax parecem-me óvias – depois de equipas fenomenais, com Beckenbauer e Cruyff, como símbolos máximos – é vulgar este posterior marcar de passo.
Não tenho dúvidas que Bayern e Ajax vão regressar às grandes vitórias europeias. Contudo, todos estes grandes clubes mundiais têm uma lacuna praticamente incontornável. E é nessa característica que reside a maior força do Benfica como gigante mundial.
Os novos conceitos tecnocratas chamam-lhe a “marca”, no passado era conhecida como a “mística”. Depois de gestões desportivas e financeiras dramáticas e catastróficas, de que os exemplos mais marcantes foram os de Manuel Damásio e de Vale e Azevedo, o Benfica passou por essa travessia do deserto.
Sem títulos, sem vitórias, com dívidas e mais dívidas, o Benfica esteve em risco. Não pela falta de títulos, mas porque a gestão global do clube ameaçava aquilo que era mais sagrado e precioso – uma riqueza única e intransmissível – a sua base social, a sua ligação perene ao povo, a sua matriz popular, genuinamente portuguesa e consequentemente universal.
Quando Luís Filipe Vieira é apontado, justa e correctamente, como o Presidente que trouxe credibilidade à gestão do Benfica, que pôs as contas em ordem, que retirou o clube da lama e que fez uma obra gigantesca, está-se a ver aquilo que nos entra pelos olhos dentro.
Mas, Vieira é o salvador do Benfica por algo de que nunca se fala mas que é verdadeiramente o ponto nevrálgico da sua liderança. Quando apostou toda a sua determinação na construção do novo estádio, ou na manutenção das modalidades, Vieira sabia que a sobrevivência do Benfica passava por não deixar morrer a “mística”, a alma benfiquista, a paixão de um povo.
É isso que define o Benfica e o diferencia de todos os outros grande clubes - um envolvimento popular único. O que se viu ontem no Restelo é a prova dessa grandeza. Vieira percebeu-o porque conhecia bem o Benfica e sabia que a sua força está na sua base social – e essa não podia sofrer estragos.
A construção do novo estádio é, assim, a pedra de toque de uma estratégia visionária, que define um líder. Mais do que todo o retorno financeiro que aquele equipamento podia representar, o que estava em causa era devolver aos benfiquistas a sua auto-estima, o seu orgulho, a sua alma, que tinham sido tão depauperadas pelas gestões anteriores.
É isso que distingue o Benfica de outros grandes clubes europeus. Uma alma popular que, com mais ou menos vitórias, será sempre a argamassa de um clube mundial. Vieira percebeu-o como ninguém, e nas suas consecutivas visitas às Casas do Benfica continua a acarinhar este imenso jardim de papoilas.