07
Jul08
Futebol pária
Pedro Fonseca
O futebol português é um estado dentro do Estado. Ou seja, é uma espécie de sítio onde as leis não são gerais e abstractas, como num qualquer Estado de Direito; as “leis” deste estado são aplicadas com base no livre arbítrio e numa discricionaridade que faz inveja ao Zimbabué de Robert Mugabe.
Os últimos tempos então têm sido férteis em situações que se julgavam já banidas de qualquer sociedade minimamente organizada: a “justiça” desportiva a sobrepor-se à Justiça de Estado; sentenças de tribunais civis anuladas por decisões de “tribunais” desportivos; presidentes de órgãos jurisdicionais a actuar em nome e no interesse de arguidos a quem se destina a decisão; pingue-pongue de decisões entre dois órgãos (Federação e Liga); juristas que dizem uma coisa num dia e outra no dia seguinte (um problema de tradução), etc,etc,etc.
Para o dia de ontem estava guardado mais um episódio deste circo com palhaços de terceira: o Conselho de Justiça decidiu manter as sanções ao Boavista (descida de divisão) e a Pinto da Costa (suspensão por 2 anos), por corrupção desportiva. O presidente do órgão, vereador na Câmara de Gondomar, e por isso pessoa “independente” de Valentim Loureiro, tentou que a decisão não fosse tomada, declarou o fim da reunião e abandonou a sala.
O Governo olha para isto e cala e consente. O que se exige, de imediato, é que seja decretado o estado de quarentena ao futebol português – ninguém se pode aproximar sob pena de ficar irremediavelmente infectado pelo vírus da imundice mental.
Neste contexto, o futebol português devia ser considerado um “estado pária”, isto é, um estado desprezado pelos outros e excluído do concerto das nações civilizadas. Se tal é uma constatação à escala planetária, então a FIFA e a UEFA deviam intervir, destituindo todos os órgãos desportivos e jurisdicionais sejam os da Federação ou da Liga.
Os órgãos máximos do futebol internacional não podem deixar de assumir as rédeas do que se está a passar em Portugal, perante o espanto de todos e o silêncio cúmplice, hipócrita, comprometido e vergonhoso dos poderes públicos, a começar pelo secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias.
O “vírus” já ameaça “mentes brilhantes” como Marcelo, que na sua homilia dominical falou de cátedra sentenciando que a decisão dos bravos, corajosos e verticais membros do Conselho de Justiça era “inválida” porque o seu “presidente” tinha declarado encerrada a sessão. Não ocorreu dizer ao ilustre administrativista que esse “presidente” era o tal “vereador de Gondomar” e que, como tal, estava impedido de presidir à reunião por gritante incompatibilidade de interesses.
Suplica-se à FIFA e à UEFA que em nome da preservação da imagem internacional de Portugal, como país defensor das regras mais básicas e perenes do Estado de Direito Democrático (primeiro país onde foi abolida a pena de morte), intervenha e se substitua à Federação, à Liga, ao Governo. Do mesmo modo que a ONU intervém em estados onde a ordem jurídica internacional foi desmantelada.
Hoje, a Federação vai pronunciar-se sobre o que se passou. Gilberto Madaíl tem a última oportunidade de sair de cena com um pingo de dignidade. Esperemos que perceba que a História o julgará cruelmente se fugir às suas responsabilidades. Aceitar como juridicamente válida a decisão do Conselho de Justiça, é uma oportunidade única para Madaíl salvar a sua face e a face do futebol português.