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Novo Benfica

Novo Benfica

05
Jun08

Seduzida e driblada

Júlio Machado Vaz

Durante o namoro – curto… - manteve-se clandestino. Os fins-de-semana pertenciam-me por inteiro, dos cinemas do Arrábida às Pousadas de Portugal exibia sorriso doce e disponibilidade total, o “decide tu, princesa” resumia o nosso viver. Não sou de falar acerca da minha intimidade, mas digo que as noites começavam cedo, acabavam tarde e repousavam mais o espírito do que o corpo… Rendi-me à evidência – o príncipe encantado existia, encontrara-o num Sábado como tantos outros numa discoteca de música latino-americana, quando se inclinara à minha frente e pedira a honra de uma salsa. E como dançava bem, o maroto! Mas eu já vivera o suficiente para saber que o desejo nem sempre resiste à palavra, pedi ao Acaso – não gosto de meter Deus nestas alhadas… - que me poupasse a homem casado clandestino, engatatão profissional ou bronco irrecuperável. Dançou calado e fiquei-lhe grata, para mim a música é para  saborear em pleno, sem conversa de circunstância. Devolveu-me à mesa ainda em silêncio e assim imaginei que partisse. Até lhe ouvir o sussurro, “sento-me?”. Senti um arrepio premonitório, acenei que sim. Foi o tiro de partida…
Eis-nos aqui chegados: marido e mulher, apartamento espaçoso na periferia, dois bons empregos, famílias que parecem compatíveis, o humor não desapareceu, o sexo como nunca o imaginara também não. Acontece que vivemos a três! (Não, não casei de penalti…). Do nada surgiu concorrência inesperada e fortíssima, um clube de futebol, mais propriamente o Benfica. Devo dizer que a minha primeira reacção foi de simples e incauta surpresa, é um tripeiro religioso, de onde lhe vinha o amor pelos apaniguados da águia Vitória? De uma espécie de epifania. Em criança tropeçara com Eusébio num restaurante e o Rei – ele trata-o assim, à revelia do senhor D.Duarte! – fez-lhe uma festa no cabelo e perguntou se era do Benfica, a resposta pareceu-lhe evidente, a ele, que hesitava entre o Salgueiral e o Boavista para contrariar o irmão, portista dos quatro costados. Como eu, de resto, por bairrismo e não grande entusiasmo pelo jogo, vinte e dois homens a correrem atrás de uma bola e mais uns milhares a insultarem a mãe do homem de negro não têm o condão de me encantar.
Mas o amor é feito de desacordos negociados e ultrapassados, afinal eu também embirrava com a sua paixão por carros em miniatura aos quais era proibido limpar o pó e ele sofria com a minha intransigência em manter jantares só de mulheres na última sexta de cada mês, não seria o futebol a assassinar a paixão. Pensava eu…
Casámos no início do Verão, partimos em lua-de-mel para o Cantábrico e espreguiçava-me eu, acariciando a hipótese de lhe desafiar o desejo ainda uma vez, quando o ouvi murmurar, íntimo, para o computador no colo – “O Santos é bom homem, mas devíamos tê-lo empandeirado”. Fiquei satisfeita, confesso. Porque me agradava saber o meu homem um chefe de empresa de coração sensível, por mim estava de acordo com a decisão, o tal Santos merecia uma nova oportunidade, a competência adquire-se, a boa índole não. Dirigi-me ao quarto de banho e foi impossível não ver o que o computador expunha e me colheu de surpresa – ele não pensava em voz alta apoiado no mail de um colaborador e sim na primeira página de A Bola! Abriam-se as portas do Inferno?.
O Benfica marcava passo e chegou Camacho, o entusiasmo lá em casa foi de curta duração, aparentemente o homem tinha mudado. Como os nossos fins-de-semana, obedientes aos horários dos jogos da equipa. Era preciso jantar primeiro ou depois, manter um silêncio religioso durante o jogo e no entanto estar pronta para apoiar – o desacordo estava fora de causa… - as exclamações de desagrado, quando não o belo vernáculo portuense, na minha opinião desperdiçado com lisboetas. Mesmo se as coisas corriam bem, as “papoilas saltitantes” davam-nos o braço, ele levantava os seus como se tivesse ganho sozinho e abria um sorriso acompanhado de ordem castelhana: “Cariño, hay que salír a comer!”. Aconteceu pouco. E Camacho perdeu a paciência antes de mim e pôs-se a andar. Avançou o  querido Chalanix, mas a depressão futebolística instalara-se, enfiado no sofá rosnava que para jogarem assim também ele os treinava, elaborou uma complicada teoria da cabala que envolvia mau ambiente no balneário, a situação incómoda de Rui Costa – tem um ar fino, o rapaz! – e falta generalizada de pernas. Um calvário que desaguou num raio de esperança quando o campeonato chegou ao fim.
Santa ingenuidade, a minha! Agora vive a semana toda, e não apenas o seu fim, dependente do que apelida de novela das contratações: “Este é caro”, “A custo zero? Quando a esmola é grande o pobre desconfia”, “Substituir o Ruizinho? Era bom, era!”. Para cúmulo descobri que os juniores, os juvenis e os iniciados também o interessam, ao Domingo de manhã sai desarvorado e volta sonhador – “Aquele puto, daqui a uns anos…”.
Apetece-me citar o Albarran: o horror, a tragédia… Que vou fazer de mim? De nós? Não me quero precipitar, mas a situação exige medidas cuidadosamente reflectidas. Por agora tenho apenas o diagnóstico do mal e o primeiro passo é admiti-lo com dignidade e coragem – casei com um lampião furioso!:(.

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